sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Crónica de um fim anunciado


Desde o fim do mundo, que não ocorreu, que fiquei com a música da Adriana Calcanhoto na cabeça. Aquela, em que diziam que o mundo ia acabar e que não acabou. E que ela fez umas coisas e que não devia de ter feito, porque afinal o mundo não acabou... Enfim, uma novela, não fosse a senhora brasileira, o jeito está no sangue!

Posto isto, e considerando o não-fim-do-mundo, fiquei à espera de ver histórias parecidas nos tablóides do mundo. Alguém apanhado a correr nú, animais a falarem, porcos a andar de bicicleta, vacas a tossir... Enfim, todo o manancial de coisas insólitas que têm um cantinho especial no Correio da Manhã. Mas não. Não vi nada. Nem houve avistamentos de naves alienígenas. Nada. Um deserto de emoções.

Não é que tivesse ficado triste com a ausência de um rollercoster emocional. Fico é a pensar: se o mundo de facto não faz sequer um "bu" para acagaçar a malta, então é mesmo desta que não vamos lá. Entendam que eu não tenho vontadinha nenhuma de ficar cheia de miaúfa com um tufão ou coisa que o valha, mas há muito boa gente que precisava de sentir o toque mais à bruta da impermanência. Da mutação rápida das coisas. Não falo apenas em termos ecológicos (era bom entenderem que os recursos não são inesgotáveis), mas sim, e fundamentalmente, no propósito individual de cada um. Ou seja, no que é que raio é que andamos aqui a fazer. E como é que o raio que aqui andamos a fazer bate naquilo que o outro, ali ao lado, anda a fazer. E assim, qual rede de cruzilhadas, chegamos ao que a Humanidade anda aqui a fazer, entre os seus e com os outros à volta que fazem parte da dita Natureza.

(Engraçado, agora fiz aqui uma ligação de palavras, humanidade = humildade. Este início em "hu" podia ser um prenúncio de algo mais a ser construído entre as duas palavras. Algo mais... humano!)


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Relação é emprego

Invejar uma relação que corre bem é como invejar alguém que tem dinheiro. Passo a explicar. Normalmente, as pessoas têm tendência a invejar os resultados de algo e não o trabalho que deu a chegar a esses resultados e, da mesma forma que alcançar ou manter uma boa vida financeira requer trabalho, também uma relação.

Enquanto crescia, vi a qualidade de vida da família crescer. De dormir no chão, passei a dormir num quarto só para mim, na casa que os meus pais construíram e que tanto sonhavam em ter. À nossa volta sempre existiram pessoas com inveja dos meus pais. Daquilo que eles tinham. Mas em momento algum eu ouvi comentários sobre o trabalho que sempre tiveram para alcançar aquilo que alcançaram. Nunca ouvi ninguém dizer que tinha inveja do seu horário de trabalho, que era todos os dias, de manhã à noite. Em vez alguma senti vozes dissonantes, querendo ter o trabalho de estar em pé todos os dias. Nunca ninguém me disse que gostaria de ter o trabalho, mas sim o carro; de ter as dores no corpo, mas ter a casa...

Já lidei mal com esta situação que considerava de injusta. Neste momento, sinto que as pessoas que pensam desta forma são muito pequeninas e que têm muito trabalho pessoal para fazer.

Voltando ao tema que interessa aqui, uma boa e longa relação, que funciona, também pode ser alvo de inveja. Mas não se invejam os processos pessoais, as horas de terapia ou as relações que antes correram mal e que mataram tantas vezes o coração. Não se invejam as desfibrilhações feitas, os remendos, as cirurgias emocionais sem anestesia. Invejam-se os sorrisos de agora, mas não se invejam os choros do passado. Uma relação sólida é trabalhosa, e mesmo assim, nem sempre se é feliz, pois a compatibilidade pode sempre oscilar. Construir uma estrutura a dois parte de incríveis trabalhos individuais. E não é fácil. Mas vale, garantidamente, a pena.

E desenganem-se os que consideram que passar uma vida juntos, sejam 10, 20 ou 30 anos, é o suficiente. É a forma como esses anos são construídos. É a velha tese da qualidade vs quantidade. Anos? Passam rápido. Relações? Precisam de muito mais do que anos. Precisam de ser vistas de frente e precisam de manutenção permanente.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Sim, existe!

De manhã, enquanto coloco o creme na cara, olho pela janela que está aberta por causa do vapor do banho. Contemplo a vista e, ensonada, divago sobre o tudo e o nada. Vejo uma vizinha a aproximar-se da janela no prédio em frente. Não lhe vejo a cara, os estores estão a meio. A vizinha abre a janela e deita dois papeis fora. E foi isto que me fez ficar a olhar incrédula e parada pela janela. Ela fechou a janela e afastou-se mas eu continuei a olhar pela janela...

Estamos a terminar o ano de 2012 e eu não acredito que isto ainda existe...

sábado, 8 de dezembro de 2012

Coração de cartola




Coração de cartola, que a cartomante usou. Pôs na mesa, como uma carta. Virou-o como quis, dobrou e entortou. Levantou-se da sua cadeira altiva com a graciosidade que a caracteriza e saiu da sala. E coração ali ficou.

Imagem: http://www.casamentoclick.com.br/blogs/casamentos-sofia/2011/02/faca-voce-mesma-coracoes-de-papel-para-decorar/

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Outonos

Este Outono lembra-me os Outonos da minha infância. Chovia, chovia, chovia.... Chovia sem parar. Não era chuva "molha-tolos", nem era chuva de provocar cheias, ah mas era chuva à séria!

Na casa onde vivia, a sala não tinha janelas. Era miníma. Ainda mais escura ficava o tempo feio que fazia lá fora. As paredes também eram escuras. Móveis castanhos, alcatifa azul escura. Mas eu gostava daquele conforto da chuva na rua, o quente-e-escuro da sala, a minha mãe a fazer crochet e o candeeiro tão eighties que iluminava a tarde. E o silêncio. Recordo-me do silêncio. Aquele que permanece para além da chuva, do escuro e da solidão de um dia de Outono. Era confortável, bucólico até. Embora com 7 anos eu não soubesse que palavra era essa... Mas resume tudo isto.

Olhava pelo "postigo" da porta de entrada, que dava para a cozinha, e ficava a ver a chuva a cair. Não passavam carros, não acontecia nada. Só chovia. Lá ao fundo, na entrada de uma casa que só via ocupada de Verão, abrigava-se um cão. Era o cão abandonado lá da aldeia. Acho que se chamava "Snoopy", nome comum de cães na altura. Era dali, de ninguém e ainda assim, dali.

E são assim as memórias de uma infância de Outono. também me lembro de perguntar à minha mãe se faltava muito para a chuva parar. A sensação que tinha e que me lembro tão vivamente é que nunca parava de chover.... E assim era.

Imagem: http://osmeussonetos.blogspot.pt/2008/04/douradas-folhas-de-outono.html