segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Felizes 366 dias!

O próximo ano é bissexto. Isto significa que vamos ter um dia a mais no calendário. É um dia a mais para:

  • Amar
  • Dançar
  • Sorrir
  • Criar
  • Escrever
  • Sonhar
  • Abraçar
  • Reescrever
  • Desenhar
  • Gargalhar
  • Curar
  • Relembrar
  • Temperar
  • Facilitar
  • Flexibilizar
  • Beijar
  • Co-criar
  • Potenciar
  • Reflectir
  • Rir
  • ...
 O que podem vocês fazer nesse dia a mais?

Felizes 366 a todos os co-autores das próprias vidas :)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Do choro ectodérmico ao choro endodérmico

Dizem que chorar lava a alma, mas também dizem que os homens não choram. Diz-se muito daquilo que se sente. Assim que nascemos temos de chorar, para depois aprender a não o fazer. Aprendemos que essa é uma fragilidade que devemos esconder numa gaveta, junto com as lamechices, os corações cor-de-rosa, as festinhas e o “amo-te”.

Tal como tudo aquilo que podemos fazer como seres humanos optimizados que somos, o choro tem uma função, é importante. Da mesma forma que o medo tem uma base funcional importante na nossa vida, o choro é também essencial e não deve ser contido ou controlado. O problema surge quando aprendemos a lidar incorrectamente com esta função que o nosso corpo sabiamente desenvolveu.

Saímos do túnel escuro ontem estivemos mais de 9 meses e todos os seres estranhos e de batas brancas que estão neste espaço tão iluminado ficam aliviados quando choramos. Depois deste momento, o choro é um aviso, uma arma e um problema. Servirá de termómetro: ah este choro, isto é fome. Hum, isto é sono! Lembro-me de estar grávida e ouvir estas palavras sábias: quando o teu filho chorar tu vais saber o que é (parecia uma premonição mágica, eles nascem e desce em nós, mulheres, a enciclopédia ser-mãe-deste-filho-em-particular). É mito. Enquanto algumas pessoas acertam, outras (como eu), vão por tentativa e erro. Muita fralda desnecessária é mudada quando a solução era apenas a de voltar a colocar a chucha na boca do menino.

O choro é uma arma quando o usamos como um meio para chegar a um determinado fim, e já vimos isto a acontecer na mesa ao lado num qualquer restaurante. É um problema porque se limitam as crianças desde bebés a não largarem as suas lágrimas, a não partilharem as suas águas com o mundo. Faz barulho. Não nos deixa dormir. Mostra fragilidade. Entre outras e outras e outras.

Passamos uma vida a não chorar. Contemos. Engolimos as emoções porque não é bonito mostrar. Então elas ficam, com armas e bagagens na nossa barriga que às vezes incha voluptuosamente, deixando antever um mar de sentimentos engasgados.

Quando decidimos olhar para nós, seja em terapia ou em trabalho de desenvolvimento pessoal, temos de olhar para esta nossa barriga. É preciso fazer abdominais emocionais para deixar sair aquilo que já não nos serve e que não conseguimos guardar mais. Mas estes abdominais são mais difíceis que os normais. Mais do que ao corpo, fazem doer a alma. Ou assim parece. É por isso que os primeiros choros da vida adulta são ectodérmicos. Não são conectados, não lavam a alma e deixam-nos zonzos com a respiração que se (re)estabelece e com o chute de energia que sobe à cabeça e aos olhos em particular. Não choramos com a barriga e a descarga é falsa: há apenas a movimentação de alguma tensão de um lado para o outro no corpo. Mas nesta fase podemos continuar desconectados mas há o ressurgimento de uma vontade de olhar de uma forma diferente.


É quando mergulhamos intensamente em nós que navegamos na possibilidade de nadar nas nossas lágrimas: o choro é conectado e vem dessa barriga tão cheia que precisa de extravasar, mas delicadamente, pulsando lágrima a lágrima em cada inspiração e expiração.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Divertida-mente


No fim-de-semana anterior vi, finalmente, o filme Divertida-mente ou Inside Out, no seu título original. Não querendo levantar muito o véu sobre o enredo, apercebi-me mais uma vez (e o filme de animação que vi antes deste foi o Up) que os filmes de animação da Pixar são para adultos. Claro que não deixa de ser um filme de bonecos, ok. Mas as mensagens subliminares, as piadas irónicas e o permitir um contacto com a nossa infância estão lá e são dirigidas aos mais crescidos. E para quem já tem filhos e não é uma pedra, certamente que poderá haver espaço para deixar a emoção entrar (ou sair?).

O filme é original e dá-nos uma visão interessante do modo como a nossa mente (eventualmente) funciona: desde as emoções às memórias, passando pela formação da nossa personalidade. De facto, deixa-nos a pensar sobre o que andará aqui dentro.

Uma das personagens é Bing Bong, reproduzido na imagem em cima. Este é o amigo imaginário de Riley, a miúda que será a personagem central do filme e cuja vida é conduzida pelas cinco emoções básicas: alegria, tristeza, medo, repulsa ou nojo e o medo. Ele é feito de tudo aquilo que as crianças gostam e quando chora, chora rebuçados. Que premissa maravilhosa, onde até o choro pode ser doce.

Permanece o ensinamento já debatido na psicologia: não existem emoções positivas ou negativas, existem emoções adaptáveis, cada uma tem o seu papel, a sua importância. Resta-nos olhar para as nossas e procurar o nosso ponto de equilíbrio entre todas elas, a difícil tarefa do Ser.

Imagem: Filme Inside-Out

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Ora bolas


Quando alguém te dá algo que não queres: devolve. É como quando podes devolver uma bola. Algo te é atirado, mas tu devolves. Mas não é como uma defesa no futebol: é apenas a constatação de que aquilo não é teu e tu não continuas em jogo. O difícil é mesmo não ir a jogo. Quando nos fazem um passe, a tendência é sempre para receber a bola, contra-atacar ou defender. É difícil não fazer nada e deixar a bola rolar para fora de campo. Esta bola pode ser grande, pode nos magoar quando nos acerta em cheio. Talvez um dia seja possível diminuir o tamanho da bola e deixá-la rolar entre os nossos pés para fora do campo, e assim, sem nos desviarmos sequer do nosso caminho, permitir que ela - a bola - prossiga a sua jornada sem afectar a nossa.

Imagem: https://www.epochtimes.com.br/inventor-cria-bola-futebol-nunca-esvazia/#.VhPV_n309fA

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Um aqui e agora suficientezinho

Mesmo quem não está muito atento já deve ter ouvido falar do aqui e agora. Desde Eckhart Tolle, o autor do livro "O Poder do Agora", que o mundo ocidental recebeu esta dádiva do conhecimento sobre o estar presente no presente sem estar agarrado ao passado, que não pode mudar, e sem se perder no futuro que é desconhecido. Mas, como em tudo na vida, conclui que também aqui é preciso ter conta, peso e medida, ou seja, obter algum equilíbrio e clareza sobre o que é estar no aqui e no agora.


De facto que estar aqui e agora é promover uma certa liberdade das amarras neuróticas do nosso passado, da nossa história, assim como sentir o desprendimento do controle das coisas futuras, nebulosas e desconhecidas. É muito difícil chegar a um estado de quase iluminação no qual estamos no aqui e agora a todo o momento. O Mindfulness, sobre o qual não sei muito, ajudará imenso nesta perspectiva. Ainda assim, na busca por este el dorado, creio ser importante encontrar um equilíbrio saudável, ou seja, neste trio, não ficar só pelo cantor, pois sem os outros não temos a banda completa.

Entrar num registo de procurar o presente renegando o nosso passado é um erro. O nosso passado existe e acompanha-nos. É a nossa história e é de onde vimos. Sei que por vezes temos traumas escondidos ou existem coisas das quais nos envergonhamos ou arrependemos, mas estão lá. E virar as costas a algo que nos trouxe até aqui é sair de casa sem chapéu-de-chuva quando já está a trovejar. O mesmo se passa para o futuro e aqui o grande erro é viver numa espontaneidade falsa na qual não importa o amanhã. Sim, de facto não importa a neurose da expectativa, mas fazer planos não tem porque ser neurótico. Pensar nos nossos projectos futuros, o que queremos para nós e como organizar a próxima semana na agenda não é ser rígido ou controlador. E fugir das responsabilidades com a capa do "aqui e agora" também é uma armadilha que pode surgir.

Como em tudo sobre o que tenho reflectido importa sempre olhar para nós, em determinadas temáticas e questionar: onde está o equilíbrio, para mim?

Imagem: Ana Caeiro

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Separações

"Na história das ciências do homem, um dos factores mais limitativos do conhecimento foi a divisão conceptualmente fixada entre corpo e espírito. Muito antes da divisão do corpo em fatias ou órgãos desafectados, separados uns dos outros, que a Medicina deste século pôs em prática [século XX], já essa dicotomia corpo/espírito funcionava radicalmente, com as restrições e prejuízos que nesta fase se tornaram evidentes, e que vai ser imperioso reparar."

Escrito por Jorge Milheiro no do prefácio à edição portuguesa do livro "Sonho e Psicossomática", editado em Portugal pela Dinalivro em 2001.

Não consigo conceber o ser humano de uma forma de não seja una. Vejo-nos como um "vários-em-um", já não me fico pela dicotomia mente/corpo porque entendo que somos feitos de vários pedaços. A Biossíntese olha para o ser humano como um todo, com tudo o que o compõe (e é muito), mas há uma base tripartida: mente (pensamentos), corpo (acção) e emoções ou sentimentos (embora sejam coisas diferentes, vamos deixá-los aqui juntinhos). É a dança e o equilíbrio energético entre os três, que promovem um fluir que nos permite sentir, pensar e agir de uma forma balanceada e isenta, sem dar importância especial a apenas um deles. A questão é que nem sempre isto é possível porque todos teremos uma tendência. E um primeiro passo fundamental é tomar consciência das nossas tendências e perceber se agimos sem pensar, se nos deixamos levar pelas emoções, se ficamos presos nos nossos pensamentos... Se agimos sem pensar nas relações mas não no trabalho; se a família nos deixa trazer mais o nosso lado emocional ao de cima e não nos permitimos pensar. São 3 áreas de base que contactam também com diferentes áreas da nossa vida. E apesar de poder existir uma tendência genérica, poderão existir diferenças consoante as diferentes áreas da nossa vida.

Conhecermo-nos e perceber onde está o nosso foco, é um passo para melhor compreender o que se passa dentro de nós e como podemos melhorar os nossos movimentos, pensamentos e sentimentos, por forma a conseguir encontrar um equilíbrio. A viagem não é fácil mas pode ser a chave para muitas situações complicadas que vivemos connosco e, subsequentemente, com o outro.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Lema, dilema e trilema

No outro dia estive num workshop dado pela grandiosa Gabriele Hoppe e direccionado para terapeutas que me deu uma nova visão: lema, dilema e trilema. Giro, não? Um lema é algo que seguimos, algo único e, apesar de surgir a possibilidade de ser uma sentença de acordo com o dicionário, para mim é algo que tem chão, sentido, direcção. O dilema é quando temos na mão os dois passarinhos e existem duas alternativas mas não sabemos qual delas a melhor e qual escolher. Mas aqui ficamos com os pobres passarinhos e aquela venha cantiga de "mais vale um na mão..." não chega para largarmos um deles. E quando estamos com um dilema com asas nas mãos, a tendência é sobrevoar os dois lados e não sair dali, não tomando nenhuma decisão. Planamos em círculos e assim fica a nossa cabeça: à roda e sem sair do mesmo lugar.

Então, o que é um trilema? Não vale a pena perder tempo no dicionário, de facto, esta palavra não existe... Mas é fácil ver que dele fazem parte o dilema e mais qualquer coisa. Pois bem: temos a opção 1, a opção 2, e temos também uma terceira opção que é precisamente algo que poderá acontecer no futuro e que não sabemos o que é. Isto pode parecer estranho mas na psicoterapia, devidamente colocado, pode ser a chave para a percepção dos nossos dilemas através de novas perspectivas.

Neste workshop, a técnica transmitida foi simples: colocam-se papéis no chão com as seguintes designações: opção 1, opção 2, nenhuma delas e ambas (em formato de cruz, pedindo-se depois que o cliente se coloque no meio numa fase inicial). O cliente tem um quinto papel na mão que vai colocar onde lhe fizer mais sentido: algo que desconheço e que pertence ao futuro. O que se pede de seguida é que o cliente se coloque em cima de cada um dos papéis e sinta. Sinta o que vem a nível corporal, sensações, pensamentos... O papel do terapeuta é fulcral pois é o seu olhar atento que poderá detectar mudanças subtis no corpo do paciente enquanto muda de lugar.

O mais importante de tudo é que não se procura uma resposta nem se pretende que o cliente saia deste exercício com uma escolha activa sobre o que vai fazer em relação ao seu dilema ou conflito. Pretende-se que o cliente sinta cada lugar e permita que o corpo revele algum sinal ou indicação. E isso sim, poderá ser depois explorado no consultório.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Holding

O Holding é um dos temas da Pós-Graduação em Psicoterapia Corporal em Biossíntese e a sua definição sugere apoio, sustentação e segurança. Quando nascemos precisamos ser vistos, tocados e necessitamos de nos sentir em segurança. A forma como fomos nutridos nesta fase inicial da vida é fundamental e pode trazer respostas para a forma como nos sentimos hoje. Como fui recebido pela minha família? Como fui visto e cuidado?

Os sentidos assumem uma grande importância nesta altura, pois é através deles que o bebé vai percepcionar o mundo. Quando nascemos já trazemos os cinco sentidos desenvolvidos e na audição, embora o bebé possa não perceber o que lhe é dito, a forma e o tom de tudo o que o circunda é muito importante. Ele sabe distinguir entre a voz meiga do cuidador ou uma voz irritada. E vai reagir a isso.

Imaginem então a importância do toque num corpo que passa por uma transição tão grande: estava numa bolha, num mundo aquático e vem para um local onde há luminosidade, roupas, barulhos estridentes. O toque acalma e o contacto da pele, corpo a corpo, é um grande recurso para o bebé aprender a confiar no mundo e a ser nutrido por ele. A visão é também uma forma muito forte de contacto. Dizem que o bebé quando nasce apenas consegue ver cerca de um palmo à frente do seu nariz, que será o suficiente para ver a cara da mãe enquanto se alimenta. O olhar que a mãe vai devolver ao bebé pode estruturá-lo se for um olhar "quente" que traz excitação e é expressão de amor. Se for um olhar frio, pode congelar o organismo e deixar o bebé perdido.

Será preciso ser um pai ou mãe (ou cuidador) suficientemente bom (como Winnicott dizia), para reconhecer, espelhar e ampliar o entusiasmo da criança, permitindo-a explorar o mundo através de uma comunicação aberta entre todos os elementos da família.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

O mito de Psique

Cupido (ou Eros) é filho da Deusa do Amor, Afrodite (ou Vénus), e do Deus da Guerra, Marte (ou Ares). Não é de admirar, por isso, que ele tente atingir os outros de amor, mas com setas. É a clara idealização do casamento entre o amor e a guerra. E em ambos os campos há quem diga que vale tudo. É uma criança com asas, personificando aquilo que de infantil (mas no bom sentido) tem o amor. E aqui esta infantilidade é sinónimo de pureza, inocência e de uma transparência doce na qual não existem ainda máscaras. A palavra infantilidade dotou-se de um mau significado quando na realidade deveria ser um bom presságio. Podemos substitui-la, nesse sentido, por imaturidade, e deixamos o que é infantil para aquilo que é espontâneo e bom.

Mas voltando ao cupido que se enamorou de Psique, a Deusa da Alma: o filho do amor e da guerra num affair com a alma. Delicioso. E deste romance nasceu a Deusa do Prazer: Hedone. Não foi um romance fácil, como não o são os romances de contos de fada.

Era uma vez.... O mito de Psique

O mito narrado por Apuleio conta como uma bela mortal por quem Eros, o Deus do Amor, se apaixonou. Tão bela que despertou a fúria de Afrodite (Vénus), sua mãe - pois os homens deixavam de frequentar seus templos para adorar uma simples mortal. A deusa mandou seu filho atingir Psiquê com suas flechas, fazendo-a se apaixonar pelo ser mais monstruoso que existisse. Mas, ao contrário do esperado, Eros acaba por se apaixonando pela mortal, sendo que se acredita que tenha sido espetado acidentalmente por uma de suas próprias setas.

Com o próprio deus do Amor apaixonado por ela, as suas setas não foram lançadas para ninguém. O tempo passava, e Psique não gostara de ninguém, e nenhum de seus admiradores tornara-se seu pretendente. O rei, pai de Psiquê, preocupado com o facto de já ter casado duas de suas filhas, que nem de longe eram tão belas como Psique, quis saber a razão pela qual esta não conseguia encontrar um noivo. Consulta então o Oráculo de Apolo, que prevê, induzido por Eros (Cupido), ser o destino de sua filha casar com uma entidade monstruosa.

Após muito pranto, mas sem ousar contrariar a vontade de Apolo, a jovem Psiquê foi levada ao alto de um rochedo e deixada à própria sorte, até adormecer e ser conduzida pelo vento Zéfiro a um palácio magnifico, que daquele dia em diante seria seu. Ao chegar lá, a linda princesa não encontrou ninguém, mas tudo era sumptuoso e, quando sentiu fome, um lauto banquete estava servido. À noite, uma voz suave a chamava e, levada por Eros, se entregou a ele e conheceu as delícias do Amor, nas mãos do próprio deus do amor.
Os dias se passavam, e ela acreditava estar casada com um monstro, pois Eros não lhe aparecia e, quando estavam juntos, ficava invisível. Ele não podia revelar sua identidade pois, assim, sua mãe descobriria que não cumprira suas ordens - e apesar disto, Psique amava o esposo, que a fizera prometer-lhe jamais tentaria descobrir seu rosto.

    Psique sendo resgatada por Eros, William Bouguereau, "L'enlèvement de Psyché"
Passado um tempo, a bela jovem sentiu saudade de suas irmãs e implorou ao marido que permitisse que elas fossem trazidas a seu encontro. Eros resistiu e, perante a sua insistência, advertiu-a para a alma invejosa das mulheres. As duas irmãs foram, enfim, levadas. A princípio mostraram-se apiedadas do triste destino da sua irmã, mas vendo-a feliz, num palácio muito maior e mais luxuoso que o delas, foram sendo tomadas pela inveja. Constataram, então, que a irmã nunca tinha visto a face do marido. Disseram ter ouvido falar que ela se tinha casado com uma monstruosa serpente que a estava a alimentar para depois devorá-la. Então sugeriram-lhe que, à noite, quando este adormecesse, pegasse numa lâmpada e uma faca: com uma iluminaria o seu rosto; com a outra, se fosse mesmo um monstro, o mataria. Psique resistiu os conselhos das irmãs o quanto pode, mas o efeito das palavras e a curiosidade da jovem tornaram-se fortes. Pôs em execução o plano que elas lhe tinham dito: Após perceber que seu marido entregara-se ao sono, levantou-se com uma lâmpada e uma faca, e dirigiu a luz ao rosto de seu esposo, com intenção de o matar. Quando ela vê o belo jovem de rosto corado e cabelos loiros, espantada e admirada, desastradamente deixa pingar uma gota de azeite quente sobre o ombro dele. Eros acorda e o lugar onde caiu o óleo fervente de imediato se transforma numa chaga: o Amor está ferido. Percebendo que fora traído, Eros enlouquece, e foge, gritando repetidamente: O amor não sobrevive sem confiança!

Psique fica sozinha, desesperada com seu erro, no imenso palácio. Precisa de reconquistar o Amor perdido.
Eros voa pela janela e Psique tenta segui-lo, mas cai da janela e fica desmaiada no chão enquanto o castelo desaparece. Psique volta para a casa dos pais, onde reencontra as irmãs que fingem piedade para com a irmã. Acreditam que o lindo Eros, solteiro, as aceitaria e seguem em direcção ao belo palácio. Chamam por Zéfiro e, acreditando estar seguras pelo mordomo invisível, se jogam e caem no precipício.

Psiquê caminha noite e dia, sem repouso nem alimentação à procura do Amor. Avista um belo templo no cume de uma montanha e acreditando encontrar o seu amor escalou a montanha. Ao chegar no topo depara-se com montões de trigo, centeio, cevada e ferramentas, todas misturadas e ela os separa e organiza. O templo pertencia a deusa Deméter que, grata pelo favor da bela princesa lhe diz o que fazer para reconquistar o marido. Primeiro ela precisaria conseguir o perdão da sogra.

Psique, desesperada, resolve consultar um templo de Afrodite. A deusa, já sabia que tinha sido enganada e, mantendo Eros sob seus cuidados, decide impôr à pobre alma uma série de tarefas, esperando que desistisse ou que o desgaste pudesse fazê-la perder a beleza. Foram lhe incumbidos 4 trabalhos:

  • OS GRÃOS: A princesa foi colocada num quarto onde uma montanha de grãos de diversos tipos tinha sido misturada. Psique devia separá-los, conforme cada espécie, no espaço de uma noite. A jovem começou a trabalhar, mas, mal fizera alguns montículos e adormece extenuada. Durante seu sono, surgem milhares de formigas que, grão a grão, os separam do monte e os reúnem consoante sua categoria. Ao acordar, Psique constata que a tarefa fora cumprida dentro do prazo.
  • A LÃ DE OURO: Afrodite pediu, então, que Psique lhe trouxesse a lã de ouro do velocino de ouro. Após longa jornada, Psiquê encontra os ferozes animais, que não deixavam que deles se aproximassem. Uma voz surge de juncos num rio e a aconselha: ela deve procurar um espinheiro, junto a onde os carneiros vão beber, e nas pontas dos espículos recolher toda a lã que ficara presa. Psiquê realiza a tarefa, enfurecendo a deusa.
  • ÁGUA DA NASCENTE: Afrodite então lhe pede um pouco da suja água da nascente do Rio Estige. Mas a nova tarefa logo se revela impossível: o Estige nascia de uma alta montanha tão íngreme, que era impossível escalar. Levando um frasco numa das mãos, a princesa cai na escarpa que se erguia à sua frente Mas as águias de Zeus surgem e, tomando-lhe o frasco, voam com ela até o alto, enchendo-o. O trabalho foi, mais uma vez, realizado.
  • BELEZA DE PERSÉFONE: Afrodite percebeu que teria de usar de meios mais poderosos. Inventando que tinha perdido um pouco de sua beleza por cuidar do ferimento de Eros, pede a Psique que, no Reino dos Mortos (o País de Hades), pedisse à sua rainha, Perséfone, um pouco de sua beleza. A deusa estava certa de que ela não voltaria viva. Mais uma vez, Afrodite se engana. Psique convence Perséfone a encher uma caixa com a sua beleza para Afrodite. A regressar, Psique pensa que sua beleza se tinha desgastado depois de tantos trabalhos e não resiste: resolve abrir a caixa e cai em sono profundo, Eros, já curado da sua queimadura vai ao socorro de sua amada, põe de volta o conteúdo na caixa, desperta Psique e ordena-lhe que entregue a caixa à mãe dele.
Enquanto Psique entrega a caixa a Afrodite, Eros vai a Zeus e suplica que advogue em sua causa. Zeus concede esse pedido e posteriormente consegue a concordância de Afrodite. Hermes leva Psique à Assembleia celestial e ela é tornada imortal. Finalmente, Psique ficou unida a Eros e mais tarde tiveram uma filha, cujo nome foi Prazer.

...E viveram felizes para sempre...

Adaptado de Wikipedia

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Mudar de sítio

"Eu aprendi a andar, desde então deixei de esperar que me empurrassem para mudar de sitio" - Nietzsche em Assim falava Zaratustra

Esta frase tem qualquer coisa que me agarra. É a ideia da aprendizagem, fase fulcral mas que ainda nos deixa dependentes. Ainda assim, é o caminho para a independência. Aprender a andar permite-nos ser autónomos. Calcorreamos os caminhos que quisermos e criamos o nosso ser. Somos nós que mudamos de sítio, não somos empurrados pelos outros. Mas isto não é real. Porque existem tantas coisas externas que nos empurram, quer estejamos parados ou a andar. Até existem situações que nos empurram de tal forma que nos desviamos da rota. Cruzam-se pessoas connosco cuja presença nos move. Ouvimos um barulho e paramos, viramos a cara para ver de onde vem. Por isso não, não estamos dependentes só de nós para mudar de sítio. Mas estamos dependentes de nós para criar as bases para que consigamos nos mover dançando entre o que é nosso e o que é do outro. Podemos parar, andar ou correr, mas medimos a nossa velocidade. Fará sentido imaginar um conjunto de caminhos que se intercruzam? Ou será mais idílica a imagem de todos no seu caminho sem ver que afinal a estrada não existe?

terça-feira, 14 de abril de 2015

Des-relações

Pelo que tenho sentido e visto à minha volta, parece que terminar uma relação é mais difícil do que fazer uma depilação completa onde se arranca pelo a pelo enquanto alguém segreda: "dói muito, dói?", com um tom irónico. Aparentemente, as relações são infelizes mas tenta-se salvar até às últimas consequências, algo que já está estragado e que cheira pior do que aquela estrada em Sines. E os motivos são muitos: filhos, ter medo de ficar sozinho, ter medo de saltar para o desconhecido, entre outros. Apesar de ser válido, porque o egoísmo e o medo fazem parte da evolução pessoal (done that, been there), por vezes assistimos a casamentos mais afundados que o Titanic, mas que ainda assim lutam para vir à tona.

Creio que isto tem uma génese e um dos factores está relacionado com as histórias fantasiosas da infância. O problema dos contos de fadas é que, para as raparigas, mesmo que o carro se transforme numa abóbora, vamos ser felizes para sempre, e na vida real isto não é assim. A abóbora já se arrasta desmaiada e tem um ar mais cadavérico e assustador do que as abóboras do Halloween. A expectativa é sempre a de que a coisa um dia vai resultar, e insiste-se até à última gota. E no fim temos relações inexistentes: apenas duas pessoas que dividem (eventualmente) o mesmo espaço e o mesmo ódio um pelo o outro. Alguns homens, por seu lado, pulam de casa em casa à procura do tal pé especial para o sapatinho. Muitos, quando o sapato cabe questionam: e se crescer um joanete? Depois o sapato já não cabe...

Não creio que a solução seja "separem-se e vivam felizes para todo o sempre". O segredo está mesmo no processo: eu fico preso nas relações e não consigo sair? Perdi a minha individualidade? E a cereja no topo da abóbora: sou feliz? Não me refiro ao feliz-a-toda-a-hora (isso não existe, lamento desapontá-los), mas ao feliz nas coisas simples, ao feliz de coração cheio e com a barriga a sorrir. E é entre o decidir ir ou ficar que vamos crescendo e nos conhecendo melhor. Digo eu.

terça-feira, 3 de março de 2015

Cadeias de nós


Existem muitas coisas que nos prendem, e não precisam de ser grilhetas ou correntes que conseguimos ver e sentir. A tristeza, a raiva ou o medo acorrentam-nos e não nos deixam dar passos em frente. Para além disso, pesam-nos, desgastam-nos. Viver perpetuamente assim é sobreviver. Importante é tentar respirar e tentar, pouco a pouco, ir libertando alguns nós e tentar respirar fundo, cada fez mais, por forma a ampliar o peito e depois o corpo. Obtemos mais espaço e conseguimos nos mover melhor. E com o movimento vêm outras possibilidades, outras aberturas que não são só os espaços entre as grades que impomos a nós mesmos.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Fazer por nós

Talvez o gesto mais altruísta seja o "fazer" por nós. Quando trabalhamos o nosso lado mais sombrio criamos espaço para novas emoções, emoções essas mais positivas e mais benéficas para nós e para os outros que nos rodeiam. Ao atingirmos um patamar de tranquilidade podemos assumir uma nova expressão de nós mesmos. Esta nova expressão afectará mais o outro do que querer ajudar de forma forçada.

Para além de que o outro, se estiver numa encruzilhada, não pode nem deve ser forçado a ser ajudado se não estiver em posição de aceitar essa ajuda. É que por vezes não é só uma questão de querer ajuda, por vezes temos de nos levantar pelo nosso próprio pé, ao nosso ritmo e no momento certo. Quando há algo externo a forçar que nos levantemos mais rápido do que devíamos podemos estar a prejudicar os nossos joelhos que ainda não estavam preparados para suportar o peso do nosso corpo. Então, enquanto "ajudantes" devemos aguardar pelo pedido do outro, caso surja, e trabalhar nas nossas próprias dores, pois acredito que influenciamos muito mais quem nos rodeia com um sorriso disponível do que um esgar de impaciência que dita que estamos à espera que o outro nos agarre a mão que nós depois puxamos.

Ser altruísta não é, para mim, estar sempre de mão esticada à espera que alguém a agarre (e assim nos sentimos os heróis do dia). Ser altruísta é estar por perto, fazer o nosso caminho e esticar a mão quando nos é pedido, sem invadir o processo do outro. Não quero com isto dizer que devemos voltar as costas aos outros, mas pensem na diferença entre caminhar lado a lado e dar a mão quando necessário ou estar à frente da pessoa com a mão constantemente estendida: o outro assim não consegue andar porque não saímos da frente dele. Ajudar é também dar espaço para o caminhar do outro. E contagiá-lo com a nossa leveza é mais subtil e encorajador do que um empurrão.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Ah, a maternidade!

O meu filho tem quase 7 meses. Mudar-lhe fraldas é como tentar vestir umas calças a um polvo. Umas calças com 8 pernas, entenda-se. Apesar do meu filho ter menos 6 pernas que um polvo, ao movimentar-se parece ter 8. Mesmo a sério. Sendo inverno acrescentem a esta dinâmica de pernas o facto de ser necessário retirar meias ou collants, calças e ainda desapertar o body. Ah, e a fralda, claro. Não esquecer da fralda: voltar a colocar uma fralda nova é todo um exercício que me permite evitar os ginásios e manter um corpo tonificado.

Sendo menino, cedo somos alertados para o facto de que há todo um show de repuxo, como aquela fonte na Praça da Catalunha em Barcelona onde à noite há um espectáculo de luz e cor. E música. Sim, os meninos fazem xixi para cima da sua própria mãe e pai e há uma envolvente de espectáculo nisso: o grito da surpresa do cuidador (qual soprano), a coreografia de apanhar umas compressas para tentar minimizar o dano e sim, mudas de roupa no meio do show (the show must go on!). Pior é quando já ganhamos confiança e eles deixam de o fazer com frequência: quando acontece, acontece em larga escala. É todo um show que mete a Broadway a um canto. E o miúdo merece um Tony pelo seu desempenho: faz aquilo com naturalidade, seriedade e verdadeiro espírito de actuação.

Nem vamos falar do number two... Acho que já chega ouvir a conversa sobre poos entre as mãezinhas. E sim, antes de ser mãe achava que não ia ter essa conversa. Desenganem-se. O poo passa a fazer parte das anotações diárias relevantes para o estado de espírito do miúdo. Poo e não Pooh, o urso. Ele vai para a avó e no final do dia entram na mesma frase palavras como cocó, sopa e sestas. É assim, a maternidade!