Dizem que chorar lava a alma, mas também dizem que os homens
não choram. Diz-se muito daquilo que se sente. Assim que nascemos temos de
chorar, para depois aprender a não o fazer. Aprendemos que essa é uma fragilidade
que devemos esconder numa gaveta, junto com as lamechices, os corações
cor-de-rosa, as festinhas e o “amo-te”.
Tal como tudo aquilo que podemos fazer como seres humanos
optimizados que somos, o choro tem uma função, é importante. Da mesma forma que
o medo tem uma base funcional importante na nossa vida, o choro é também
essencial e não deve ser contido ou controlado. O problema surge quando
aprendemos a lidar incorrectamente com esta função que o nosso corpo sabiamente
desenvolveu.
Saímos do túnel escuro ontem estivemos mais de 9 meses e
todos os seres estranhos e de batas brancas que estão neste espaço tão
iluminado ficam aliviados quando choramos. Depois deste momento, o choro é um
aviso, uma arma e um problema. Servirá de termómetro: ah este choro, isto é
fome. Hum, isto é sono! Lembro-me de estar grávida e ouvir estas palavras
sábias: quando o teu filho chorar tu vais saber o que é (parecia uma premonição
mágica, eles nascem e desce em nós, mulheres, a enciclopédia
ser-mãe-deste-filho-em-particular). É mito. Enquanto algumas pessoas acertam,
outras (como eu), vão por tentativa e erro. Muita fralda desnecessária é mudada
quando a solução era apenas a de voltar a colocar a chucha na boca do menino.
O choro é uma arma quando o usamos como um meio para chegar
a um determinado fim, e já vimos isto a acontecer na mesa ao lado num qualquer
restaurante. É um problema porque se limitam as crianças desde bebés a não
largarem as suas lágrimas, a não partilharem as suas águas com o mundo. Faz
barulho. Não nos deixa dormir. Mostra fragilidade. Entre outras e outras e
outras.
Passamos uma vida a não chorar. Contemos. Engolimos as
emoções porque não é bonito mostrar. Então elas ficam, com armas e bagagens na
nossa barriga que às vezes incha voluptuosamente, deixando antever um mar de
sentimentos engasgados.
Quando decidimos olhar para nós, seja em terapia ou em
trabalho de desenvolvimento pessoal, temos de olhar para esta nossa barriga. É
preciso fazer abdominais emocionais para deixar sair aquilo que já não nos
serve e que não conseguimos guardar mais. Mas estes abdominais são mais
difíceis que os normais. Mais do que ao corpo, fazem doer a alma. Ou assim
parece. É por isso que os primeiros choros da vida adulta são ectodérmicos. Não
são conectados, não lavam a alma e deixam-nos zonzos com a respiração que se
(re)estabelece e com o chute de energia que sobe à cabeça e aos olhos em
particular. Não choramos com a barriga e a descarga é falsa: há apenas a
movimentação de alguma tensão de um lado para o outro no corpo. Mas nesta fase
podemos continuar desconectados mas há o ressurgimento de uma vontade de olhar
de uma forma diferente.
É quando mergulhamos intensamente em nós que navegamos na
possibilidade de nadar nas nossas lágrimas: o choro é conectado e vem dessa barriga
tão cheia que precisa de extravasar, mas delicadamente, pulsando lágrima a
lágrima em cada inspiração e expiração.
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