segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Estacionamentos


Vivíamos num bairro onde o estacionamento era parco, tal como em toda a cidade. A luta por um lugar era vivida como se os condutores fossem gladiadores no meio de uma arena. Só não existiam leões, nem se fazia a diferenciação entre religiões. Mas nós éramos uns sortudos: tínhamos lugar de garagem! Não era o melhor lugar de garagem do mundo, mas o calhambeque dos anos noventa que ambos partilhávamos, cabia muito bem.

Um dia ele chegou no carro e estacionou na rua: era cedo, havia um lugar vago e ainda íamos sair. Assim não era necessário entrar na garagem e fazer manobras com um volante mais difícil de virar que o dos carrinhos de choque que antes estavam lá perto, na feira popular! Era o ideal quando o calhambeque ainda ia ser requisitado ao final do dia.

Conversa puxa conversa e o sofá ficou mais confortável, adiando os planos de saída. Decidimos ficar em casa. E nesse momento de decisão, ele levantou-se e ouvi o barulho de chaves: "onde vais?", perguntei. Ele disse que ia colocar o carro na garagem. Achei tonto, para quê ter esse trabalho? No alto da sua generosidade ele respondeu: "vai haver uma pobre alma que vai ficar muito grata por encontrar um lugar perto de casa a estas horas da noite, tenho a certeza!". Eu percebi-o, mas como era mais ingrata com a vida, disse-lhe: "E se for uma pessoa que não merece o lugar? Já viste, se for uma pessoa má, zangada com o mundo?". Ele disse, com a mesma generosidade de sempre: "hoje ele encontrará um lugar, mas um dia vai perceber que nem sempre existem lugares disponíveis."

Imagem: http://mundoalice.wordpress.com/2011/02/24/nao-gosto-de-falta-de-civismo/estacionamento-lotado8/

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