segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Mortes e fantasmas



Sim, é certo que a morte deve ser respeitada, principalmente tendo em consideração a família e amigos dos falecidos, pois esses ficam, ouvem e leem o que não querem. Não rejubilo a morte de quem não gosto, mas respeito-a em todas as situações. No entanto, seguindo o ideal de “nem tanto ao mar, nem tanto à terra”, não acho que uma pessoa, só porque morre, vira santa, anjo ou coisa que o valha. E isto é de facto uma atitude muito comum nas aldeias. Ora, como em tempo de crise o país encolheu para este estatuto de "aldeia", parece que tudo o que morre merece estátua.

A morte é um momento de dor para quem a assiste de perto. É algo de desconhecido para quem vai de barco para atravessar esse rio de mistério, em que não sabemos onde vamos desaguar. É algo que sabemos que vai acontecer mais tarde ou mais cedo, a nós e aos que nos acompanham, mas é um tema que escondemos debaixo da cama, atrás de uns caixotes de sapatos, que é para não incomodar muito. Ali ganha cotão, é certo, mas longe da vista, longe do coração.

Voltando à premissa dos mortos virarem santos, não sei se não dizem mal dos mortos com medo que venham em formato fantasma. “Era bom rapaz”, diz uma velhinha sobre o pilha-galinhas da aldeia, atropelado por um tractor enquanto fugia com o seu galo capão (o maior e mais lindo lá do sítio, digno de prémios numa Ovibeja… Lá do sítio). Será que ela tem medo que ele a assombre durante a noite, puxando o canto a um cobertor?

Não vou dizer perentoriamente que não acredito em fantasmas, mas acredito que esses tipos teriam outras prioridades, caso voltassem depois mortos para arreliar as pessoas. Assim sendo, e sem ter em conta a teoria do fantasma, não percebo porque se santifica alguém desconhecido. Não sabemos, aliás, quando o destino de quem parte, embora existam as mais diversas opções, tantas quantas religiões.

Melhor, melhor, seria que todos fossemos santificados ao morrer, mas por motivos nobres e correctos, e assim saberiamos que estavamos a deixar um mundo terreno melhor... Mas isso são outros quinhentos e o que interessa é viver no 8 e no 80: ou se mata o morto, ou se santifica o coitado!

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Pooh, que simplesmente é


 Existe um livro maravilhoso chamado "O Tao do Pooh". Já o li há muito tempo, bem antes das novas andanças terapêuticas. É do autor Benjamin Hoff e pode ser encontrado em Portugal através da Editora Sinais de Fogo.

Não vou desvendar muito do livro, até porque o terei de ler novamente, à luz de uma nova consciência, mas se têm interesse em temas onde a filosofia de vida se encontra com a clareza das palavras e das explicações, então recomendo.

Na contra-capa lê-se: "Enquanto o Igor se arrelia, e o Leitão hesita, e a Coruja pontifica, e o Trigue balança, o Pooh simplesmente é."

Fonte desconhecida

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Estacionamentos


Vivíamos num bairro onde o estacionamento era parco, tal como em toda a cidade. A luta por um lugar era vivida como se os condutores fossem gladiadores no meio de uma arena. Só não existiam leões, nem se fazia a diferenciação entre religiões. Mas nós éramos uns sortudos: tínhamos lugar de garagem! Não era o melhor lugar de garagem do mundo, mas o calhambeque dos anos noventa que ambos partilhávamos, cabia muito bem.

Um dia ele chegou no carro e estacionou na rua: era cedo, havia um lugar vago e ainda íamos sair. Assim não era necessário entrar na garagem e fazer manobras com um volante mais difícil de virar que o dos carrinhos de choque que antes estavam lá perto, na feira popular! Era o ideal quando o calhambeque ainda ia ser requisitado ao final do dia.

Conversa puxa conversa e o sofá ficou mais confortável, adiando os planos de saída. Decidimos ficar em casa. E nesse momento de decisão, ele levantou-se e ouvi o barulho de chaves: "onde vais?", perguntei. Ele disse que ia colocar o carro na garagem. Achei tonto, para quê ter esse trabalho? No alto da sua generosidade ele respondeu: "vai haver uma pobre alma que vai ficar muito grata por encontrar um lugar perto de casa a estas horas da noite, tenho a certeza!". Eu percebi-o, mas como era mais ingrata com a vida, disse-lhe: "E se for uma pessoa que não merece o lugar? Já viste, se for uma pessoa má, zangada com o mundo?". Ele disse, com a mesma generosidade de sempre: "hoje ele encontrará um lugar, mas um dia vai perceber que nem sempre existem lugares disponíveis."

Imagem: http://mundoalice.wordpress.com/2011/02/24/nao-gosto-de-falta-de-civismo/estacionamento-lotado8/