segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

She believed she could so she did*


Se antes havia aquela frase "se eu não gostar de mim, quem gostará", hoje é, se eu não confiar em mim, quem vai confiar? Eu acredito em mim. Confio nos meus recursos, seja a minha capacidade de ir correr atrás daquilo que quero, por muito que custe o percurso, ou arriscar, confiando na minha intuição, embora a mente por vezes me atinja em cheio com o medo. É avançar, dar esse passo em frente, mas sem ser quando estamos à beira de um precipício... É saber que andámos uns aninhos a pavimentar o caminho: tiramos as ervas, alisamos o terreno, compramos uma laje bem gira que nos custa os olhos da cara, colocamos no sítio para depois deixar assentar. E mesmo depois disto tudo vamos ficar sentados à entrada deste novo caminho dizendo "ah, ainda não secou. É melhor esperar mais um bocadinho...". Mas sabemos que um dia vamos ter de levantar âncora. É hora de avançar, sem medos porque, caramba, já fizeste o trabalho todo que te permitiu chegar aqui! Avança, é o dia da independência, é o teu dia.

E de facto chegamos a determinados momentos na nossa vida em que temos de nos questionar: eu vivo ou sobrevivo? Não querendo apenas sobreviver, com bastante dose de coragem, acreditei em mim. E dei esse passo. E este é o primeiro passo. Veremos o que acontece a seguir.

*ela acreditou que conseguia, e então conseguiu.

Imagem: http://artfulexpression.blogspot.pt/2011/07/she-believed-she-could-so-she-did.html

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Mudar

Há algum tempo atrás fixei a frase "as pessoas não mudam, revelam-se". Foi na fase da revolta e foi fácil entendê-la e aderir à sua intenção. O facto de uma pessoa mudar ou não, seja o seu comportamento, atitudes, forma de lidar com os outros, sempre obteve algum fascínio por parte do ser humano. Nas relações pessoais queremos sempre entrar no entendimento do outro e, quem sabe, moldá-lo para aquilo que queremos ou precisamos. Quando as pessoas têm tendência para nos magoar, elas revelam-se, neste caso, revelam o seu pior. Penso que nunca vi o outro lado nesta frase. A própria frase parece ser revestida de alguma negatividade e fatalismo. Como um fado na defensiva.

Depois aprendi que, de facto, o ser humano não muda, que a personalidade tem elementos fixos. No entanto, estamos claramente sob a influência do mundo externo, e por isso aprendi a frase: "as pessoas não mudam, adaptam-se". Numa relação a dois o tempo ensina-nos a flexibilizar as nossas opções, atitudes e comportamentos. E aqui é importante perceber aquilo que por vezes pode ser uma ténue diferença entre adaptação ao outro e perda de individualidade. No fundo não deixamos de ser nós, mas ao procurar a adaptação plena, ao procurar que o outro goste de nós, transformamo-nos naquilo que o outro quer. Por momentos deixamos de ter a nossa identidade. Mas ela está lá, não há se calhar mudança, há talvez uma amnésia selectiva de comportamentos. Uma escolha que se torna pesada com o tempo e uma pele difícil de despir. No lado saudável, uma boa adaptação pode promover uma grande harmonia que faz com que as pequenas coisas não se transformem em grandes batalhas.

Ontem ensinaram-me outra frase: "se as pessoas não mudam, mudamos nós". E mudar o quê? Simplesmente mudar a forma como lidamos com a não mudança do outro. E aqui podem existir tantas formas. A melhor é claramente encontrar paz dentro de nós e não permitir que as poluídas não mudanças do outro nos afectem. Se o outro continua no seu registo, se já gastámos as palavras a tentar fazer ver outros pontos de vista, se já tentámos ajudar vezes sem conta e os mesmos erros continuam a ocorrer, então é hora de aceitar. Mudamos a nossa perspectiva, aceitando que o outro é como é. Aceitar a sua infelicidade, os seus insucessos e permitir que eles fiquem com o seu dono que, aparentemente, não se quer livrar deles, ou ainda não está preparado para o fazer Se calhar o medo de ficar vazio é tão grande que assim sempre têm alguma coisa, já pensaram nisso?

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

As pequenas coisas boas da vida

O meu filho sorri. Já abre bem a boca e ri com os olhos. Mostra a sua boa disposição, mesmo que lá fora esteja a chover logo pela manhã. As manhãs são dele. É um bem disposto pela fresca mas no quentinho dos lençóis de flanela. O meu filho é mais do que flanela, é como aquele tecido polar, que tem um nome fresco que nada condiz com o seu calor. Sim, o meu filho é mais do que flanela, mais do que ouvir a chuva lá fora com o quentinho cá dentro. É a soma de todas as sensações de calor interior, exterior e de conforto. Aquele conforto simples, sabem? A felicidade está mesmo nas coisas simples. Nos pequenos confortos, nos pequenos momentos, nos pequenos bocejos e nas pequenas formas de estarmos juntos. É isto.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Beijos e queijos

Fizeram um estudo sobre beijos. As conclusões são dramáticas: num beijo de 10 segundos podemos transferir entre beijantes, qualquer coisa como 80 milhões de bactérias. Mais: na nossa boca existem mais de 700 tipos diferentes de bactérias!

Fiquei também a saber que os beijos já são muito antigos e que no Império Romano existiam três tipos de beijos, consoante a pessoa com quem era partilhado. Existia o basium, que era o beijo dado entre conhecidos. Qualquer coincidência com a palavra básico é pura divagação. Existia também o osculum, que era o beijo (ou ósculo que aqui fica tão bem) entre amigos. O beijo arrebatador, o dos amantes tinha um nome pouco pecaminoso, era denominado de suavium.

Ainda assim, durante o resto da história, o beijo não tem essa conotação romântica que lhe impomos, diz que isso é uma coisa do mundo moderno. Antigamente o beijo era apenas mais uma forma de diferenciar as hierarquias sendo usado para prestar respeito e vassalagem. Eu não acredito que no escurinho da intimidade não existissem mais beijos. Eu espero que sim.

O beijo está em todo o lado, até no lado mais sombrio. Se pensarmos um pouco até nos lembramos do beijo de Judas, o beijo da traição. Não se sabe bem o que terá acontecido, mas ficou associado a um acto de amizade que na verdade não o é. E o que será que aconteceu?

O beijo é um gesto de afeição, pelo menos no mundo ocidental, e é bastante comum (esperemos) numa relação de casal. No início é vê-los quentes e molhados, linguarudos e compridos. Com o passar do tempo, se o permitirem, passam a ser um toque entre lábios, algo mais suave do que o suavium. É isto que convém combater, é importante incentivar a partilha de micróbios!

A pergunta que se impõe é: já partilhou bactérias hoje?

Imagem: http://www.comobeijarbem.com.br/dicas-como-beijar/dicas-de-como-beijar/

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Novembro

Imagem: http://www.culturalivre.net/2008/04/13/trilhas-da-vida/arvores-outonojpg/

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Hierarquia de dificuldades sociais

Há um "dizer" na minha terra que reza assim: uma mulher atrapalhada é pior que um homem bêbedo. (leia-se bê-ba-do). E é verdade, claramente que uma mulher desorientada, confusa ou embaraçada faz mais estragos do que um homem claramente etilizado (o que dizer de uma mulher atrapalhada e etilizada, ui!). Bom, mas eu descobri algo pior, numa espécie de hierarquia das desabilidades ou das dificuldades sociais. Ora, pior que uma mulher atrapalhada, é um bebé com fome. E então renovamos esta hierarquia da seguinte forma, por ordem decrescente de dificuldades de lidação: bebé com fome -> mulher atrapalhada -> homem bêbedo. Salvam-se os pifos, ébrios, etilizados, copanários, entre outros nomes.

Se é uma hierarquia que organiza os sujeitos conforme a dificuldade de lidarmos com eles, o melhor será então fugir dos bebés com fome ou colocá-los nas mãos de uma mulher atrapalhada e um homem bêbedo. Bom, é melhor não. Se calhar é melhor dar comida ao bebé, destrapalhando a mulher e deixando o homem sem motivos para beber! Sempre soube que a comida resolvia muita coisa...

Um bebé com fome vai expressar a sua ideia até ter a sua necessidade satisfeita. Berra, chora, dá aos pés, aos braços (num claro movimento de guitarra imaginária), cospe a chucha... E por isso, enquanto se prepara a refeição do sofrido, se ouve aquela música que até acelera tartarugas: tan-tan-tan, tan tan tan tan tan tan, tantantantantan... E por aí fora. E enquanto se houve esta música o tratador de bebés não pára de referir que está quase, que está a caminho, que é só mais um segundo... Mas, os bebés, não têm noção de tempo. Satisfação das necessidades básicas é para ontem. E porque não?

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Piada psicológica

Piada psicológica: A mulher terminou a sessão com o psicólogo que lhe diz: -"Para a semana trabalharemos com o inconsciente". Responde ela: -"Não acredito que o meu marido queira vir"

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Aquilo que somos

Viemos com o peso do passado e da semente
Esperar tantos anos torna tudo mais urgente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
e a sede de uma espera só se estanca na torrente
Vivemos tantos anos a falar pela calada
Só se pode querer tudo quando não se teve nada
Só quer a vida cheia quem teve a vida parada

Somos...
...o peso dos nossos genes, aquilo que trazemos na nossa biologia, para o bem e para o mal.
...o resultados da soma dos anos que já vivemos, as experiências que acumulamos.
...as nossas esperanças, perspectivas de futuro e expectativas.
...o que dizemos
...o nosso silêncio.
...a divisão e a multiplicação entre os desejos, as censuras e a realidade.

Uma música de Sérgio Godinho.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

La chance

"La chance c’est comme le Tour de France: on l’attend longtemps et ça passe vite!"*

Oportunidade. Esperamos sentados num banquinho de madeira ao pé de uma porta fechada, à espera que ela se abra. Esse tempo é longo. Tão longo que conhecemos de cor a forma da maçaneta, a textura da madeira escura e a beleza do seu formato. Sentimos o banquinho como um prolongamento de nós. As suas pernas são as nossas pernas e apesar de desconfortável, aquele assento permite-nos descansar enquanto esperamos. E de repente o universo responde e algo acontece. A porta fica ali, escancarada à nossa frente, e nós continuamos sentados no banquinho. Talvez o nosso rabiosque se tenha habituado ao assento. Talvez estejamos há tanto tempo sentados que não acreditamos que as nossas pernas ainda se consigam mexer. É hora de confiar nas pernas. Levantar aos poucos. Afinal, não queriamos que a porta se abrisse? Oh, estavamos tão habituados à maçaneta, à madeira escura. Mas agora que a porta já se abriu só há um caminho: atravessar. E do outro lado é isto, uma festa:



A oportunidade é como o Tour de France, esperamos muito tempo por ela e ela passa tão depressa. Não há calços para impedir a porta de se voltar a fechar. Temos de dar corda às pernas e levantar o rabiosque.

Imagem: http://trialbikepark.blogspot.pt/2010/07/imagens-antigas-do-tour-de-france.html
*Frase do filme Le Fabuleux Destin de Amélie Poulain

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Como criar abacateiros, you're welcome!

Este é um Blog que vai a todas, por isso, hoje vou vos ensinar a semear e plantar Abacateiros! Gostam de um belo Guacamole? Pelam-se por colocar fatias de abacate nos hamburguers no pão para substituir a maionese? Têm um espacinho no quintal para uma árvore? Então este post é para vocês! Primeiro, temos de comprar abacates... É verdade, começa por aí. Já percebi que existem uns mais claros que outros e que os que têm dado resultado aqui na maison Ananicas, são uns mais escuros e enrugados. Talvez os mais espertalhaços saibam o seu nome, quiçá até em latim, mas eu não sei mais nada para além de: verde mais escuro e mais enrugados.

Vamos precisar do seguinte:

- Caroço do abacate;
- 3 palitos;
- recipiente baixo e translúcido;
- água

Reza assim a história: pegam no caroço do abacate e colocam os 3 palitos por forma a que o dito tenha um sustento, assim:


De seguida, vamos colocar esse caroço suportado no recipiente com água:



Este recipiente é para colocar molho de soja, que obtive ao trazer muito peixinho cru para casa. Também podem usar uma chávena de café. Claro que pode ser opaca, mas se for transparente vê-se melhor o que vai acontecendo. Pois bem, é isto! Deixamos a natureza seguir o seu curso... Já percebi que os meninos abacatinhos rebentam melhor na Primavera / Verão (esta não era difícil!), e que demoram muito tempo, por isso não desesperem! Gostam de um cantinho quentinho e se houver sol directo, ainda melhor. Convém ir mudando a água de vez em quando e limpar o recipiente porque ganha verdete...

Quando começam a rebentar ficam lindos, com umas raízes algo alienígenas. É importante mudá-los para um recipiente mais alto, como um copo, por exemplo. Depois surge um belo caule e folhinhas, e é muito fofinho. Quando estiver de uma dimensão considerável, podem colocar num vaso com terra. Os meus estão assim:



Vou esperar pela Primavera para os colocar no chão. Quando derem abacates eu aviso!

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Inspiração


Vou abrir uma latinha destas e depois volto...

Imagem: http://unifiedmanufacturing.com/blog/13-places-packaging-inspiration/

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Ser mãe é...

- Estar a escrever com uma mão porque a outra está a segurar o filho (está meio sentado na perna e apoiado pelo braço que já deixei de sentir há cerca de 10 minutos).
- Ter vontade de rebentar foguetes quando ele adormece um bocado a meio da tarde. Ou então fazer uma festa com o marido com hi-fives silenciosos incluídos porque ele adormeceu (algazarra silenciosa).
- Mudar os nomes dos bonecos e rir sozinha, como por exemplo: chamar ao Winnie the Pooh, Winnie dá bufas.
- Perceber os pequenos gestos que fazem com que o miúdo sossegue, nomeadamente estar por perto quando lavo a loiça: ele gosta do som do esquentador (com isto a conta da água subiu em flecha).
- Tirar o gato da cama dele.
- Andar com o carrinho de bebé na rua e inevitavelmente, fazer os barulhos do motor.
- Ter 4 pares de sapatinhos por estrear, só porque são giros mas não servem para nada.
- Compreender que também existem extremismos no tema da amamentação e tentar sobreviver a isso.
- Ralhar com o gato pela 384ª vez nesta semana por estar a dormir na cama do bebé.
- Ficar efectivamente feliz com o cocó de um bebé.
- Beber descafeínado pela primeira vez na vida.
- Dizer em voz alta e sem vergonhas: O meu reino por uma chucha!!
- Ter com ele uma conversa séria, repetindo os seus "ah-goos".
- Maldizer a esperguiçadeira quando não consegue acalmar o gaiato e achá-la a melhor invenção depois da roda quando o consegue fazer.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Provérbios, locuções e ditos famosos

Já sabem que gosto muito de frases feitas e saber a sua origem, não sabem? Pois bem, encontrei este livro:





Já sabem, preparem-se para toda uma série de informação inútil e fantástica!


Imagem: http://www.coisas.com/Dicionario-de-Proverbios-Locucoes-e-Ditos-Curiosos-1980,name,217721769,auction_id,auction_details

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Antes e depois

Para muitos de nós, talvez até para a maioria, é muito difícil fazer transições. Existem vários motivos para isso. Fazer uma grande mudança ou transição na nossa vida exige energia, disponibilidade, força e coragem. Exige também um esforço para sair do conhecido, do lugar de segurança. E isso mexe com as necessidades básicas, como humanos, mas também como animais que somos.

Fazer uma mudança ou transição implica fazer um movimento entre dois lugares dentro de nós: o antes e o depois. E se conhecemos muito bem o antes, pouco temos a saber sobre o depois. Claro que, quando a mudança é algo que nós queremos fazer, sabemos para onde queremos ir, e aí temos conhecimento de um "depois" hipotético, mas, se esse "depois" se situa no futuro, existe muito desse "depois" que é desconhecido.


Mas voltemos ao "antes". O antes é o agora com tudo aquilo que o caracteriza, incluindo o conhecimento do passado e uma estabilidade sobre aquilo que se sabe e que é controlado por nós. Há uma segurança no "antes", e mesmo que não estejamos felizes ou que nos sintamos presos a uma estabilidade que nos faz sentir parados e sem evoluir, este momento pré-transitório traduz-se em conforto. Conforto porque sabemos como são os nossos dias, um atrás do outro, quer passe uma semana ou um mês. Conforto porque, mesmo que estejamos fartos deste conhecido, este conhecido está imóvel, não nos surpreende. Claro que estou a falar de momentos internos, endógenos, ou seja, em que não existe algo externo que nos empurra para outras transições na vida, como o desemprego ou uma morte. São aqueles momentos em que vemos a vida repetir-se, dia após dia. E por mais que queiramos sair desse ritmo, por vezes a estagnação é tão forte que é difícil dar um passo.

Quando podemos dar finalmente um passo para o "depois" surge o medo. Por vezes é tão forte que até cremos que mais vale ficar no "antes", infeliz mas seguro. Porque é assim? O "antes" é toda uma vivência, é algo que vive connosco e que, para chegar ao ponto a que chega, precisa de muito tempo, como uma pele que se vai vestindo e que faz parte de nós. Se vamos despir essa pele que nos cobriu durante tanto tempo, vamos ter de nos despedir dela, e aqui reside a grande dificuldade: nas transições há sempre algo que morre. O "antes" morre para dar lugar ao "depois", e é necessário fazer um luto. Vamos abandonar algo que não vamos voltar a ver, seja um emprego, uma pessoa, ou a nossa "antiga" pessoa. E isso dói. O carácter definitivo que por vezes surge, assusta. A novidade assusta. O desconhecido, ainda que tenha uma promessa de felicidade, assusta. Mas às vezes é necessário dar um passo, e não é um passo em falso, é um passo em frente, mesmo que seja em direcção ao nevoeiro. Sabemos que conforme vamos caminhando no nevoeiro, vamos vendo nem que seja um passo em frente. E às vezes mais vale ir andando do que sentar e esperar por um D. Sebastião.

Imagem: http://mesmoquenaohouvessemusicaeuchoraria.blogspot.pt/

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Metro


Esta é uma estação de metro abandonada em Nova Iorque. Chama-se City Hall e não é utilizada desde 1945. Confesso que tenho um especial interesse por espaços que parecem fragmentos de uma época passada, como se estivessemos a olhar para uma fotografia, um stand-still. Adoro ver imagens de espaços num tempo antigo, surgem intocáveis, imagino quem os viu, quem passou por lá.


O cenário já o têm, imaginem a história: anos quarenta, uma cidade que fervilha; um homem a ler o jornal, à espera do metro; à sua frente uma elegante mulher que deixa cair o seu lenço. O homem apanha-o e dá-lhe. Que enredo, que conversa poderiam ter? Como brilhariam os seus olhos? Seria o início de algo? Ou então não, ela agradece, timidamente, e afasta-se, entrando no metro e perdendo-o de vista para sempre...



Fonte: http://www.theguardian.com/cities/2014/sep/25/-sp-world-subterranean-ghost-stations-tube-abandoned-underground?CMP=fb_gu
Fotografia: Michael Freeman/AP 
Imagem: http://nyulocal.com/city/2014/03/10/take-a-ride-through-the-abandoned-city-hall-subway-station/

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Aceitar vs desistir

No último post referi que por vezes perdemos a perspectiva, a visão certa das coisas. E de facto, mal ou bem, estou com um terçolho. Nada como ter o nosso corpo a gritar connosco, não é? Isto de escrever estas coisas às vezes é como ser costureira. Fazes mil luvas e não te apercebes que afinal a maior parte servem-te, lá está, que nem uma luva.


Mas é também importante, neste campo das perspectivas, perceber que existe uma enorme diferença entre o desistir e o aceitar. Todos temos as nossas neuroses, os nossos problemas, ou obstáculos à nossa evolução para pessoas melhores. Sempre defendi que não chegamos a Buda, isso são outras caminhadas, e por isso, por mais evolução que possamos fazer, existem obstáculos que podem não ser ultrapassáveis. E isso não faz mal. Precisamente porque somos humanos. Estamos aqui para caminhar, melhorar, tentar lavar a roupa que era branca e ficou escura, mas nunca voltará a irradiar aquele branco brilhante, da evolução plena e completa. E isso não faz mal.

Lidar positivamente com os obstáculos que vão permanecer até ao final da nossa vida é aceitar. É deixar que uma roupa meio creme nos sirva como se fosse o melhor fato do mundo, porque é nosso. Permitir que se mantenha uma nódoa aqui e ali, porque é o resultado da nossa vivência, da nossa luta. E permitir que uma ou outra nódoa permaneça, não é desistir. É apenas aceitar que poderá lá ficar para sempre. Pode diminuir de tamanho, pode até ser atenuada na sua cor, mas se ficar, nós aceitamos. E isso não faz mal, porque isso não é desistir.

Tudo isto pode ser uma grande descoberta, mas leva o seu tempo a se instalar. Já sabemos que é fácil costurar as luvas, o problema é enfiá-las nas mãos e perceber que nos servem e como isso afecta o resto do vestuário. E se demorar, também não faz mal. É para isso que aqui andamos.

Imagem: http://boasnoticias.pt/noticias_Portugal-desenvolve-luva-biodegrad%C3%A1vel_57.html

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Esperar pelo universo

Li um texto que me fez pensar. Começa por perguntar, com trejeitos de impaciência (e nós terapeutas, já ouvimos isto em algum lado, e também já nos questionámos): "porque é que isto não anda mais depressa? Estou farta de esperar!"

Pois bem, o que acontece é que o universo tem um plano melhor. Um que é melhor do que aquele que temos. Seja qual for a nossa referência: Deus, o Universo, a essência, não importa. O que importa é que, de tempos a tempos, nós perdemos perspectiva. Queremos dar ordens ao universo sobre quando e como queremos que as coisas se manifestem nas nossas vidas. Vivemos na era do imediato. E se queremos algo, podemos tê-lo, de forma quase instantânea. Estamos cada vez mais habituados a ter um controlo quase absoluto das nossas vidas, e assim sendo, começámos a acreditar que o universo deveria de trabalhar de acordo com a nossa agenda.

Falta-nos humildade. É necessário plantar as sementes dos nossos desejos num solo fértil e saber esperar pelo universo. É ele que faz a sua magia, mas a seu tempo. Temos de respeitar que provavelmente apenas conseguimos controlar cerca de metade dos nossos planos, por mais que possamos regar essas sementes, o seu brotar depende de muito mais do que a nossa boa vontade. E existem bons motivos para que existe uma parte que não controlamos e que está fora das nossas mãos

Várias áreas defendem algumas lições espirituais, ou ensinamentos pelos quais devemos passar para criar uma consciência mais elevada. Mas estas lições, estas "aulas"não vão acontecer de acordo com o nosso calendário e muito menos quando queremos muito que elas surjam ou até que vão embora. A questão não reside no universo a dar-nos o que nós queremos,quando nós queremos. É sobre o universo a ensinar-nos a ser quem nós somos. A ajudar-nos a recuperar o conhecimento sobre quem nós realmente somos: poderosos, inteiros, abundantes, suficientes... Nós até pensamos que temos inúmeros problemas, mas o único e real problema que temos é a forma como estamos desconectados da nossa fonte, da nossa essência. Ocasionalmente, o universo irá chamar-nos a atenção, e não da melhor forma, embora não seja como um castigo, mas sim para nos mostrar um caminho melhor. Nestes momentos não estamos a ser castigados, mas sim iluminados, e esta é a forma do universo nos ensinar que nós temos tudo aquilo que precisamos. A nossa função é estar disponíveis, abertos e pacientes. E saber que as respostas para as nossas questões podem não surgir da forma convencional que esperávamos. Temos de confiar que a vida se está a desenrolar a um ritmo que vai de encontro ao nosso melhor e maior desenvolvimento.

Podemos controlar aquilo que é possível e deixar o resto para o universo. Se a vida não se desenrolar como e quando queremos, o melhor é sorrir. O universo estará a trabalhar para nos mostrar um caminho melhor. Assim sendo, enquanto esperamos, o melhor será viver com gratidão, paciência e humildade. Podemos sempre repetir para nós próprios: eu acredito que me será dado tudo aquilo que eu preciso e por caminhos que eu não consigo imaginar.


Texto original: http://www.mindbodygreen.com/0-10348/be-where-you-are-not-where-you-think-you-should-be.html

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

De pequenino se torce o destino


Já dizia o grande Sérgio Godinho: "De pequenino, de muito pequenino, se torce o destino". O destino, ou o lugar para onde nos dirigimos é uma incógnita. Há quem diga que já vem fadado e há quem advogue o livre-arbítrio dos próximos passos. Haverá um meio termo? Poderá ser a verdade sobre o futuro, um casamento entre o que está predestinado e o que está nas nossas mãos? Como uma novela ou uma série: há a estrutura, as personagens pré-estabelecidas, e depois, a cada episódio vão se criando novas circunstâncias. E essas novas circunstâncias seriam trazidas por nós ao nosso enredo. Seria um cozinhado de hipóteses e faz-me mais sentido do que um dos lados da barricada.

E agora pensei: será que quem acredita firmemente que estamos predestinados, ou seja, que alguém  terá escrito a nossa vida ao pormenor (ou nós mesmos antes de aterrarmos aqui), tem apenas medo da espontaneidade? De arriscar? Sair da linha recta, traçada mas invisível? Aliás, será esse o nosso grande movimento enquanto vivemos, sair da caixa, evoluir, ultrapassar neuroses? Quanto mais penso nisso mais acho que o estar predestinado é algo neurótico, mas maybe it's just me. Se for exagerado e se a pessoa se deixa levar pelas ondas do destino, então é mesmo algo a roçar o paranóide. Estou a falar de exageros, de achar que não se podem tomar decisões, que o tempo decide por nós e coisas dessas. Acredito piamente nas decisões do tempo, mas em alguns casos e principalmente para evitar tomar más decisões num presente envenenado.

E o resto da canção reza assim:

Primeiro sem saber porquê
e depois com um quê
de quem já sabe de saber mudar
de quem já sabe de saber fazer
uma outra terra no mesmo lugar
um lugar feito para a gente viver
e mesmo que seja longo
mesmo que vá demorar 


Imagem: https://www.pinterest.com/pin/184225440982340812/

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Upgrade, versão 2.0

Cá estamos em Setembro. Este mês sempre foi para mim o Janeiro. Não, não como passas de 31 de Agosto para 1 de Setembro, mas este mês tem algo de especial. Se calhar ainda está ligado ao cheiro do Outono a chegar, enquanto seguia a pé para a escola. A novidade, os livros novos, os colegas de sempre... Aquele cheiro da terra molhada quando caem as primeiras chuvas, o cheiro dos livros novos...

Setembro é o meu ano novo, altura de fazer um upgrade e ver o que posso levar de bom nesta transição. E perceber o que tenho de deixar para trás, por muito que custe. Com um filho tão pequeno, é muito difícil de fazer este exercício sem interrupções. Convenhamos, a nossa individualidade está reduzida ao tempo em tomamos banho pela manhã (num espantoso recorde de 5.3 minutos, não vá o miúdo acordar) e aos momentos de refeição. E esta é uma novidade que eu trago para o ano novo: ao contrário do que muitos dizem, a minha vida não acabou, mas alterou-se de forma significativa, como seria de esperar. Nesta altura de contemplação, quando o bebé é mesmo muito bebé, as suas reclamações e pedidos trazem-nos para o agora e para uma divisão da nossa pessoa. Estamos connosco, mas também estamos com o nosso filho, e estamos com mil coisas na cabeça, a viajar a 100 à hora. Mas isto da maternidade não é preto e branco como me venderam. Existem muitas áreas cinzentas, e claro, muita cor.

É como se existissem dois lados da barricada: os que defendem o branco e que dizem que é tudo lindo e espectacular, e os que vêm o mundo a preto: a vida acabou. A vida não acabou, mas a vida como eu a conhecia sim, e isso não é necessariamente mau, no entanto, como em qualquer transição, é difícil entrar no ritmo e aceitar que tudo mudou, fazendo o luto apropriado daquilo que era antes e que não volta a ser. Meus caros: é difícil. Mas há alguma coisa que dê calos, que desague em amor eterno ou que seja tão forte que não comece por ser difícil? Posso até acordar com dificuldade, maldizendo a amamentação e todos os que falam dela como se fosse a resolução para todos os males do mundo, mas depois vejo o meu filho a sorrir e derreto. E não há como explicar melhor do que com essa imagem.

Portanto, eu entro no novo ano sem desejos, mas com muitas vontades, embora com menos energia. Mas tudo passa, tudo se alcança. E o que eu tenho aprendido mais é que ser paciente compensa.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Ouvi na mesa ao lado

Neste caso foi o meu marido que ouviu, mas eu acho que, se juntámos os trapinhos, também podemos juntar os ouvidos!

"Isso é tudo uma grande falância!"

Pela conversa, o tipo queria dizer falácia... Meninos, não tentem dizer palavras caras sem treinar primeiro em casa e ao espelho!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Ouvi na mesa ao lado

Estava um dia a almoçar e oiço o seguinte, na mesa ao lado:

- No outro dia experimentei foi um arpeggio de bacalhau, aquilo é bom, mas tá crú, né?

Juro. Não foi ninguém que me contou. É nisto que dá querer ser hispter e moderno: misturar o nespresso com carpaccio...

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Super-poderes

Às vezes penso nos super-poderes que gostaria de ter. Quem é que nunca pensou nisso? Desde pequenos que somos banhados com super-heróis que nos fazem sonhar, e não é só porque salvam o dia ou a garota gira. Eles voam, ficam transparentes, disparam lanças com os olhos e até há herói que faz o tempo andar para trás ao voar à volta do planeta na direcção oposta para evitar a morte da sua amada (cena clássica do Super Homem).

A pergunta na cabeça de todos nós: e se tivéssemos super-poderes? A pergunta globalizante da minha cabeça: usaríamos para o bem? Ou para o mal, qual trolls da internet que aproveitam o super-poder da distância e anonimato para vilipendiar a desgraça alheia?

Para mim, à grande questão - que super-poder gostaria eu de ter - eu sei responder, principalmente quando acabo de me sentar e lembro-me que me falta qualquer coisa e oopps...! Lá está ela em cima da mesa a 1 metro de distância e inalcansável ao esticar o braço (mas tentamos sempre esticar não vá haver um super-poder tipo mulher elástico). E eu penso: que bom que era esticar o braço, abrir a mão e zuca, o objecto vinha pelo ar até à minha mão, ahh, a mulher íman, era esse o meu super-poder! Não salvaria o dia, mas salvaria a minha preguiça, essa sim, seria eterna!

Imagem: http://www.legal.adv.br/category/comics/page/2/

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Ode ao Esfíncter


Rua acima, rua abaixo, lá ia ele, num pernacho.
Escada abaixo, escada a cima, lá ia ele, esse borracho.
Quis um dia esfíncter ser, e da borra se fez café.
Eram horas, eram dias, e lá ia ele, muito em pé.
Caminhava estreito e escorreito, nessa estrada que era a vida,
Rua acima ele ia, com a voz quase tremida.
Dizia que era pobre, mas a gente da terra não liga,
Se era um bom esfíncter, era tudo o que comia!

Dedicado a duas monstras muito especiais. 

Esfíncter, s. m.
Nome genérico dos músculos circulares que fecham as cavidades a que correspondem  (ex.º esfíncter da bexiga, da boca, entre outros). 
in Priberam

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Haja imaginação

Quem tem filhos ou tem de entreter uma criança (ou bebé), sabe que tem de se aprumar na cantoria. Ora eu cá sou péssima e para além do "Atirei o pau ao gato" e da música dos patinhos (que sei incompleta, assim como a música das fábulas da floresta encantada ou a linda-falua-que-lá-lá-lá-vem), não sei música nenhuma. Cheguei a cantar coisas do género: "todos os patinhos acabam de brincar, acabam de brincar. O pijama vão vestir e os dentes vão lavaaaar, o pijama vão vestir e os dentes vão lavar. É que agora é hora, é hora de ir dormir, é hora de ir dormir, e" coiso e não sei quê e trálalá...

Pior foi quando dei por mim a cantar Gabriel o Pensador ao meu filho de mês e meio, especificamente aquela em que ele diz que matou o presidente do Brasil: "que morreu ali mesmo, ahn, todo ensanguentado. Quê, sai voando com a polícia atrás de mim, e equanto eu fugia eu pensava bem assim: tinha que ter tirado uma foto para mostrar pros meus filhos, que lindo pô!". Lamento, mas estas músicas saem assim de jorro. Acrescento que o meu filho não acha piada à nossa fase de império mundial. Quando lhe gritei "FUI CONQUISTADOOOOORRRRRR", ele contorceu-se e eu tive medo que isto fosse suficiente para se queixar à protecção de menores. Entusiasmei-me,o que é que querem, só de pensar naquele casaco que a vocalista dos DaVinci usava, até fico a uivar.

Bom, pensei que não tinha o melhor repertório infantil e também já tinha esgotado as músicas de Sérgio Godinho. Acho que o meu filho chegou ao seu limite quando entoei "a paz o pão, saúde, habitação!" Tentei lhe fazer ver que estas músicas estão ainda muito actuais dado o estado do país, mas nada feito. Tinha de cantar música de pequenada. Então... inventei! E como tinha esta linda baleia na mão, foi isto que saiu enquanto eu fingia que ela nadava pelas profundezas do oceano:

Eu sou uma baleia!
A vida é uma alegria.
Eu sou uma baleia,
Como peixe tod'o dia!

Eu sou uma baleia,
Sou peixe de água fria!
Eu sou uma baleia,
Gosto de comer azevia!

Eu sou uma baleia,
Gosto muito de nadar!
Eu sou uma baleia,
Só não consigo andar...

Eu sou uma baleia,
Queria ter uma sardinha!
Eu sou uma baleia,
Gosto dela bem gordinha!

O que os nossos filhos nos fazem...

terça-feira, 26 de agosto de 2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A hora do conto - Uma carta

O carteiro achava estranho, nunca tinha levado uma carta, encomenda ou postal para aquela morada. Achava até ainda mais estranho o facto daquela rua fazer parte do seu giro e não se lembrar da casa. Conhecia perfeitamente aquela zona. Era, aliás, toda uma aldeia que ele fazia sozinho e onde viviam poucas famílias. Ele sabia que a cidade era mais apetecível e que todos acabavam um dia por fugir. Mas ele não, ele tinha um bom emprego e gostava de andar na sua motorizada pelos caminhos da aldeia, alguns ainda de pedra e outros que nunca tinham visto macadame na vida.

Olhou diversas vezes para a carta. Era todo um mistério. O papel do envelope parecia gasto, amarelado. E parecia uma carta pessoal, coisa rara neste mundo dos computadores e dos automatismos. Estava mais habituado às cartas da electricidade ou da segurança social para os velhotes reformados. Conhecia-os a todos pelo nome e sabia quase tudo das suas vidas pacatas. Eles contavam as façanhas de quando eram novos e o carteiro tentava sempre abreviar senão atrasava as suas entregas e nunca mais chegava a casa.

Ele morava numa vila lá ao pé. Era pouco maior que essa aldeia, mas já tinha outro estatuto, o de Vila! Era diferente, dispunha de mais serviços e era aí que queria regressar depois de tantas cartas e encomendas, queria voltar a casa e apreciar o melhor momento do dia: sentar-se no seu jardim, respirar fundo, enquanto segurava uma cerveja com uma mão e dava uma festa no seu cão com a outra. Era a sua companhia e para ele bastava. E era a esse silêncio que ele gostava de regressar, depois de tantas conversas e histórias dos velhotes da aldeia. Não é que não gostasse da conversa deles, ele ficava muito entusiasmado porque alguns teriam vivido aventuras fantásticas, em tempos não tão fantásticos que o país viveu. Sabia também que devia de existir algum exagero, por isso dizia que eles eram como os pescadores: acrescentavam sempre tamanho ao pescado.

Voltou a olhar para a carta: letra fina, inclinada, uma verdadeira obra de arte. Que raio, já não se enviam cartas assim, pensou ele. Se pudesse apostar diria que era letra de mulher. As curvas das letras eram ondas harmoniosas que subiam e desciam, todas juntas perfazendo as palavras "Rua dos Girassóis". O número 10 parecia quase demasiado perfeito e direitinho, quase que passaria por impressão, não fossem os borrões de tinta ali ao lado. Por um momento pensou que gostava de ter tido aquela letra na primária. Nunca fora muito bom na escola e a sua letra então, era um pesadelo. Os professores sempre ralharam com ele porque não se percebia nada do que escrevia. Mas ele nessa altura não queria saber de escritas, gostava era do recreio e de dar pontapés na bola. Esta letra parecia efeminada e o nome era estrangeiro mas parecia ser de uma mulher. Ainda assim, preferia esta letra à sua. E parecia ser de alguém com estudos, algo que também lhe escapou na vida.

Distraído com a letra nem se apercebeu que continuava em cima da mota, parado no início da Rua dos Girassóis. Pensou em avançar à procura da tal casa, mas houve algo que o distraiu: o selo. Ele conhecia aquele selo. Nas suas horas vagas gostava de ler sobre selos mas não se atrevia a fazer colecção, isso era muito trabalhoso e andar a arrumar selos mínimos com uma pinça não era para ele. Era um selo que comemorava o centenário do selo postal. Mesmo não sendo bom  matemática, o carteiro rapidamente percebeu que algo estaria errado, pois o primeiro selo postal foi em 1840. A memória era fraca, mas ele percebia da história dos correios! E se era o centenário, o selo seria de 1940. Não podia ser, não fazia sentido. Decidiu sair da mota, retirar o capacete e os óculos escuros e colocar os seus outros óculos para ver melhor. A miopia já o afectava há muitos anos e, apesar de ver relativamente bem, não queria ter dúvidas. E aí estava ele. Tinham feito em várias cores, mas naquele envelope estava a versão laranja do selo, que correspondia a 25 centavos. Na imagem estava Sir Rowland Hill, e por baixo "1840 Maio 1940 - Centenário do Sêlo Postal". Ao concluir que se tratava de algo antigo, e quiçá, valioso, percebeu que seria uma brincadeira muito tonta enviar uma carta com um selo tão antigo. Mas, espera, e como é que a carta passou pelos serviços centrais? - pensou o carteiro. Viu de onde vinha a carta: de Lisboa. O mistério adensava-se: como é que uma carta com um selo que não está válido chegou até aqui, tão perto do seu destino? E o nome do emissor era afrancesado, mas não tinham colocado nome no destinatário. A única solução seria a de procurar a casa.

Assim fez, voltou a arrumar os óculos da miopia, colocou os seus óculos de sol e o capacete. Mesmo que fossem apenas uns metros, o carteiro não brincava em serviço, e o medo de cair de mota e de se aleijar estava sempre patente quando dava a volta à chave. Equipado e preparado, com a carta na mão e a tremer de curiosidade começou a procurar as casas. Encontrou o número 4, não era difícil, era a casa da Dona Lurdes, sempre com o estendal cheio de roupa branca ao sol. Ele indagava-se como é que uma senhora viúva que sempre viu vestida de preto sujava tanta roupa branca. Prosseguiu devagar e passou pelo número 6, do Sr. Silva. Uma casa cheia de muros e bem tapada, e também cheia de cães que o carteiro detestava. Eram daqueles cães que gostavam de perninhas de carteiro à refeição, desconfiava ele. O número 8 não existia, era um terreno limpo com uma ou outra árvore. Um dia tinha ouvido o senhor Silva dizer que era um terreno abandonado porque estava em processo de partilhas e estava para ser vendido há anos mas que ninguém se entendia.

Ao continuar encontrou o número 12. Era uma casa fechada, de uns emigrantes no Luxemburgo que raramente precisavam do carteiro. Estranhou, parecia que tinha falhado o número 10. Andou para trás e lá viu o portão enferrujado do terreno abandonado com um grande oito, pintado a tinta há anos. Decidiu parar a mota e investigar a pé. Antes do número 12 percebeu que, no seguimento do terreno abandonado, existia uma série de arbustos muito cerrados que seguiam até à casa dos emigrantes. Ao olhar calmamente e quando se aproximou, apercebeu-se de um pequeno muro, ou o que restava dele, com uma caixa de correio muito velha mas com um número 10 muito nobre e pomposo. Apercebeu-se que, atrás daqueles arbustos estava uma casa. Estranhou, pois não sabia que ali poderia morar alguém, pelo menos nunca lhe tinham dito nada lá na aldeia. Ao olhar melhor para a casa ficou congelado e sem saber o que pensar. A casa estava em ruínas. Era impossível morar lá alguém. O telhado já tinha desaparecido há muito tempo, as portas e janelas não existiam e se houve ali um jardim ou uma entrada, há muito que tinham sido engolidos pela Natureza. Os pássaros cantavam felizes, pousados nos ombrais, e claramente que viviam por ali muitos gatos.

O carteiro ficou sem saber o que fazer. Sentia-se perdido, estarrecido, embasbacado! Tinha nas mãos uma carta antiga com mais de 70 anos, não sabia como é que essa carta tinha passado pelos correios, e o destino era uma casa desabitada, em ruínas, completamente acabada. A vontade de abrir aquela carta aumentou em flecha, mas ele sabia que só havia uma coisa a fazer: deixar a carta na caixa de correio e ir embora. Talvez voltasse no dia seguinte para ver se a carta ainda lá estava. E ia claramente falar com o Sr. Silva, ele poderia saber mais coisas sobre aquela casa!

Assim fez. Mas nessa noite nem dormiu. E quando dormia sonhava com selos, o que não era novidade, mas estes eram selos antigos que o empurravam de encontro a umas paredes altas, como se estivesse num antigo palacete. No meio dessas paredes reconheceu a caixa de correio da casa abandonada, mas quando tentava chegar a ela, ela fugia, rastejando parede acima. Acordou mais cedo do que o normal e decidiu levantar-se. Achava que era demais estar a ficar louco por tão pouco.

Logo cedo, mudou a sua volta habitual para que pudesse passar na casa do Sr. Silva. Ficou ainda mais satisfeito quando viu que tinha uma carta das águas para ele. Desta vez ia entregar pessoalmente, não ia deixar na caixa de correio! Não ia ficar nada contente, o Sr. Silva não gostava de receber contas e culpava sempre o carteiro pelas más novas. Mas antes não resistiu a ir ao número 10 para espreitar a caixa e tentar perceber se a carta lá estava. A abertura não era muito grande, por isso não era possível ver muito lá para dentro. Mas este artesão de caixas de correio conseguiu tirar uma foto com o telemóvel para perceber se a carta jazia no fundo da caixa. Quando viu a foto ficou estarrecido. Folhas velhas, era tudo o que era pertença daquela caixa, folhas velhas e secas... Não pode ser, pensou. Alguém tinha retirado a carta e isto só podia ser uma brincadeira de muito mau gosto, pensou ele enquanto abanava a cabeça em sinal de desaprovação. Viu que a caixa tinha a fechadura calcinada e que estava intacta, e desta forma não podia ter sido aberta. Não pode ser, repetia ele. Tentou colocar a mão na abertura para perceber se a carta podia ter sido retirada por aí, mas era impossível. Nem que fosse uma mão de criança, a caixa era funda e a abertura não era muito grande. Ainda ficou ali uns minutos a tentar reestabelecer-se. Não fazia sentido.

Como que a acordar de um transe, voltou a focar os olhos e decidiu ir ter com o Sr. Silva. Tenho de tirar isto a limpo, pensou. Se alguém veio aqui, pelo menos os cães do Sr. Silva teriam ladrado. Ao falar com o Sr. Silva, este confirmou que foi uma noite tranquila. "Sabe que às vezes os cães ladram até com uma mosca, mas esta noite foi uma paz. E eu sei porque eu só me deito pela madrugada adentro!". Não pode ser, repetia ele dentro da sua cabeça. Perguntou pela casa ali à frente, antes da casa dos emigrantes. O Sr. Silva quase que se engasgou, e este não era homem para se engasgar, mesmo com 80 e tantos anos. A sua voz parecia sumida: "Ah menino, isso é uma história muito triste, não queira saber." Mas conte-me senhor Silva, disse o carteiro cheio de esperança de obter respostas. "Era de um americano. Pouco me lembro da cara dele, mas os meus pais conheciam-no e ficaram muito tristes com o que se passou. Parece que andava enamorado com uma francesa que simplesmente desapareceu. Era um amor que só visto, mas naquela altura, sabe, não havia cá internetes, e nesta terra não havia cá telefones. Ela foi para Lisboa e depois para a França e ele esperou por uma carta que ela prometeu enviar quando voltasse à nossa capital, tá a ver? Mas a carta nunca apareceu, e as cartas que ele enviava para ela vinham devolvidas. E ele ficou anos sem saber nada dela, mas também não podia sair daqui porque era procurado lá fora, tá a ver? E isto lá para os anos 40, tá a ver? O que vale é que eu tenho boa memória. Então um dia, farto de esperar por ela, enforcou-se. E foi o meu pai que deu com o pobre." O carteiro respirou fundo, agradeceu a informação e ficou feliz por ter deixado a carta no número 10, ao que parece, as notícias da francesa tinham finalmente chegado ao seu destino.

sábado, 23 de agosto de 2014

Sábados em Sintra

Pois é, eu ao Sábado de manhã é mais isto:


Mercado de Sintra! Com a Serra lá atrás para comprovar (já que talvez não se consiga ler o que diz no azulejo...). É raro falhar o passeio de família e o pequeno vai no sling, porque ir de carrinho na calçada portuguesa é para esquecer... E, bom, no meio da estrada... Não convém! Não é que exista estrada para um Fitipaldi acelerar, mas neste pais, nunca confiando...! A aventura de tentar conduzir um carrinho de bebés nos passeios deste país até poderia ser divertida se tivermos instintos que cheguem para também participar no Survivor.

Vamos sempre comprar fruta ao Sr. Fábio e D. Ana, sua esposa. É tudo bom. Então no verão, nem vos conto... A fruta de verão é qualquer coisa que me fascina, talvez por existir durante tão pouco tempo... Há também uma banca de frutos secos (bem mais em conta do que nos supermercados), uma lojinha que tem os bolinhos secos da minha infância (os "S's", os de amêndoa... Oh tempo, volta p'ra trás!) e também uma charcutaria com umas senhoras que são muito queridas e simpáticas: a D. Flor e a sua filha, D. Marta.

Não só a maior parte dos produtos compensam pela relação preço / qualidade como compensa, e muito, a simpatia destas pessoas. Demoramos sempre mais do que o que queremos porque a conversa é como as cerejas, já se sabe. Tenho pena que o espaço do mercado não esteja mais bem aproveitado, existem bastantes bancas vazias. E não há Sábado que não ande por lá um estrangeiro a passear. Sintra não é só a Vila e com algumas ideias interessantes que se calhar nem precisavam de muito investimento, aquela zona da Estefânia poderia ser mais visitada.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Nice, very nice!


- The weekend;
- The Summer;
- The sun!
- The bolas de Berlim;
- The vacations!

Imagem: http://www.verycoolphotoblog.com/2013/08/31/very-nice/

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Dores de crescimento

Crescer dói. Esticam os ossos, já velhos, rangem as dobradiças, como que se queixando de tanta movimentação. O corpo vai falando. Vai doendo e informando. Às vezes é ouvido, outras, preterido. É que crescer custa. Custa o suor que escorre, custa nas costas, já pesadas, e custa no cabelo que às vezes cai.

Poderia fazer uma metáfora com a Primavera. Quando tudo cresce e floresce, o resultado é maravilhoso. E tudo se renova. E o corpo também, e a mente também, e as emoções também. Mas o brotar da flor tem um custo, embora o resultado não tenha preço. A dificuldade reside em conseguir ver a flor quando ainda só temos terra e um caule fraquinho que abana ao vento. Há que regar. O regador pesa, dói, mas há que regar. Ter esperança, ter essa imagem da flor, e com um pouco mais de trabalho e esforço, imaginar todo o campo de flores. Ver o conjunto das nossas pequenas conquistas a florir. Ver que isso atrai mais beleza: o sol a fazer as nossas cores brilhar, os pássaros... E de repente vemos que fazemos parte, já não somos o caule à parte. Mas há sempre Outono depois do Verão.

Pois é, crescer dói. E uma vez tomado o comprimido do crescimento, já não é possível voltar àquela semente minúscula e escondida dentro da terra. Mas também, quem é que quer voltar ao mundo das sombras?

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Parque Jurrásico e a Paleontóloga Ananicas

 Um espinossaurus à espreita

 Vista geral do parque temático (eles são um pouco tímidos)

 
T-Rex! Imbatível...


Eu tenho o Jurrasic Park em casa. Mas são herbívoros, comem cactos.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Amici

With friends, if you annoy them too much, they can just drop you. Within this simple fact lies one of the first principles of friendship – tread carefully. Friends are precious, even irreplaceable, but they are also fragile.

A amizade sempre foi uma coisa esquisita para mim. Por isso li avidamente este artigo. Este texto vem no seguimento de uma estatística que diz que 10% dos britânicos não têm amigos, aliás, não têm um único amigo a quem recorrer. Apesar de ser feita uma ressalva para os casos extremos, sejam eles os mais idosos cujos amigos já faleceram ou pessoas sem aptidões sociais, a realidade é atroz: existe um grande número de pessoas que não sabe ou não consegue manter uma amizade.

De facto parece que o segredo é mesmo esse: manter a amizade. Vamos nos cruzando com pessoas, quer seja num trabalho, num curso de línguas ou na faculdade, mas manter a ligação é muito complicado. E há aqui que distinguir dois tipos de amigos: aqueles com letra grande que, por mais tempo que passe sem contacto, vão falar connosco como se tivessemos estado juntos ainda ontem, são amigos do coração, família que se escolhe; e os outros, que dão trabalho a manter... Dentro destes ainda encontro um sub-grupo: aqueles que são amigos que custam a manter e que, por outro lado, com o andar da carruagem, deixam de ter pontos em comum connosco, e estar com eles nem que seja para um café parece mais um martírio.

Eu também sou suspeita para falar sobre amizades. Confesso que apesar de não ser anti-social nem ser uma pessoa com pobres aptidões sociais, sou um bocadinho para o esquisita e gosto muito de separar as águas pondo algumas pessoas na beira do prato. É difícil conquistarem-me e conquistar a minha confiança. A minha irmã é o oposto, a primeira impressão que têm dela é a de uma pessoa sociável, aberta, espontânea e que dá vontade de ficar ao pé. Eu não: sou mais desconfiada, embora tente ser simpática e fico sempre na posição de observadora.

O artigo refere um tónico salva-vidas de amizades: ausência-de-orgulho. É difícil de encontrar, mas reserva-se a uma determinada prateleira e está entre o frasco da humildade e a lamela de comprimidos de compaixão. O problema é que às vezes estes tónicos dão azia quando não resultam, e depois o excesso de compaixão pode dar overdose quando ingerido em simultâneo e em grandes quantidades. Eu acrescentaria que a sinceridade e a comunicação, tal como numa relação de casal podem fazer maravilhas, mas sem ser demais (tudo o que é demais...)...

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Ele há dias



Sempre que faço asneiras destas vem à ideia a música de Sérgio Godinho: "Há dias de manhã em que um homem à tarde não pode sair à noite nem voltar de madrugada." E é isto.

Nota da redacção: pelo menos está um óptimo cheiro a café na despensa (allways look on the bright side of life, turu, turu, turuturu...).