segunda-feira, 28 de abril de 2014

Guia para uma grávida, ou a minha história

Estou grávida. Bom, já estou mais perto do fim do que do início e sempre fiquei com a ideia de começar a falar sobre esta viagem no blog. Mas a verdade é que fui sempre adiando porque não tem sido fácil esta ligação interior-exterior. E é sobre esta dificuldade que vim falar. A gravidez é um free-pass para as coisas dos outros.

A barriga apareceu muito cedo. E cedo começaram os comentários sobre a desgraça que se iria abater sobre mim: eu ia ficar enorme; a minha vida ia acabar; iria ter dificuldades em voltar às minhas medidas; ia deixar de ter tempo para mim; a minha vida ia mudar radicalmente; compra aquelas fraldas, usa aquele creme, eu é que sei...; aproveita agora para ir fazer coisas com o marido; a minha relação com o meu marido iria ficar irremediavelmente transformada num inferno de fraldas e cocós... E no fim acrescentavam sempre: mas é fantástico; é uma grande experiência e não o trocava por nada.

De facto pensava que a gravidez me aproximasse mais de quem já passou pelo mesmo estado, mas vi-me ainda mais agarrada às minhas amigas sem filhos, pois essas seriam certamente mais benevolentes.

Não vou rebater todos os pontos negativos com que fui albarroada. Mas posso dizer o seguinte:

1) Como é que a vida não muda com mais um ser na família? Isso não é uma ideia básica? E seria eu considerada assim de forma tão ingénua que não tivesse consciência disso?

2) A vida vai mudar. Bom, não quero parecer uma filosofa do Zen, mas todos os dias a vida nos dá como presente a possibilidade de mudar. As transições existem nos pequenos passos, logo, com um parto, uma tão grande transição, existe todo um novo mundo para explorar, com os seus desafios, uns fáceis e outros difíceis, como aliás, tudo na vida. Ainda para mais, foi uma decisão consciente de dois adultos, não foi uma loucura de última hora ou a vontade de seguir a moda da amiga do lado.

3) Em relação à parte da barriga enorme, posso avançar que aos 8 meses estou bastante elegante. A recuperação da forma? Logo se vê. Quando engravidei não foi certamente com o intuito de ficar com o corpo de uma top model.

4) A relação? Decidimos engravidar quando chegámos a um determinado momento na nossa relação em que achámos que estávamos prontos para ser pais. Vamos ter muitos desafios pela frente mas sei que tenho uma relação sólida para lidar com eles. Somos crescidos, sabem? Aproveitar agora para ir passear, ir ao cinema, ter tempo a dois: o que é que acham que fizemos este tempo todo?

E por falar em crescidos, o que estas conversas ressoam em mim é que me tratam como se fosse uma grávida de 15 anos, que não sabe no que se meteu e que se calhar não vai saber se o bebé tem frio ou  forme. Isso é a minha parte, aquilo que me toca, aquilo que me irrita e que mexe comigo. É tudo uma questão de limites que eu tenho de rever e tratar com carinho. E eu considerava que tinha os meus bem estabelecidos, mas na verdade, estar grávida muda tudo e a barriga a crescer torna-se a porta de entrada para a invasão completa. No entanto, se formos mais além e se formos analisar terapeuticamente aquilo que é dito e por quem é dito, vamos ver que precisamos de ter muita compaixão pelos outros.

Quando em várias situações da nossa vida (não só na gravidez), alguém nos invade com as suas histórias (aqui podemos incluir as histórias de parto, sendo que contam sempre o que correu mal e nunca o que correu bem), podemos habilmente concluir que essa pessoa precisa de atenção. É aquela pessoa carente que precisa de espectadores. Caso conte o que correu bem, então é o narcisista-positivo: olhem para mim que sou a maior e tudo correu bem; se tiverem o azar de esbarrar com o masoquista-oral negativo vão levar com uma enchurrada sobre cortes no perínio, dores dilacerantes e sangue nas paredes. Lamento informar que este último é o mais comunicador e presente na vida da grávida.

Depois temos os que nos invadem porque eles é que sabem tudo o que há a saber sobre gravidez e parto, mesmo que nunca tenham tido filhos ou os tenham tido há três décadas. Não se apercebem que as coisas evoluem até mesmo em 2 anos e que a cada momento existe um médico que defende uma verdade diferente. Mas isso não interessa. O que interessa é a sua verdade. E estas pessoas vão vos tentar enfiar a sua verdade pelas nossas goelas abaixo, quer queiramos quer não. Vão questionar todas as vossas decisões, desde o porquê da compra de determinado produto ou para quê fazer determinado curso de preparação para o parto. Aqui posso apenas dar um conselho: decidam a vossa verdade, enquanto casal e guardem-na para vocês. Um exemplo disso é que decidimos ter um parto normal em hospital, mas fizemos um curso de preparação para o parto com uma Doula em que ela falou sobre o parto em casa. Ao comentar isto com as pessoas mais próximas (atenção, não indicando que teria essa vontade, porque não tenho, mas falando de quão mágico parece ser) fui crucificada, atirada de um 4º andar regada em gasolina enquanto me atiravam facas. Aprendi logo: não contar nada a ninguém, mesmo que seja algo que não vamos fazer. Nem sobre o que penso para o parto, nem sobre as vacinas ou até mesmo se vou usar compressas com água ou toalhitas para limpar o rabo do meu filho (sim, há um dilema sobre esta temática do cocó que é importante apresentar para que não temam a reacção alheia).

Com muita pena minha encontrei já no fim da gravidez uma aliada silenciosa, tão silenciosa que ela nem sabe que o é. Na verdade encontrei alguém prático, directo e com bastante experiência a quem sei que posso perguntar coisas simples (como toalhitas ou compressas?), sem que tenha de ouvir todo o chorrilho de experiências desde o século passado. Uma pessoa prática que me diz apenas: "compressas com água morna no início, toalhitas mais para fim." E tudo isto sem me explicar a criação do Universo, não é fantástico?

O corpo... Pela estatística que fiz, quem disse maliciosamente ao início que eu ia engordar para os tamanhos abissais de uma baleia, engordou em média 25 kg na sua gravidez (ou gravidezes). Maldade? Desejo de ver o outro sofrer? A minha cartada aqui foi silenciosa: permanecer elegante e engordar apenas o necessário para que o meu bebé esteja bem e saudável. Não usei a gravidez como desculpa para comer o que quero e o que me apetece, e como ainda me falta um tempinho, quem sabe não engordo um bocadinho nos presuntos para que as invejosas fiquem mais satisfeitas? E agora digo eu uma verdade: não temos de comer por dois. Grande descoberta que eu fiz.

Finalizo com um outro conselho: se perguntarem se está tudo a correr bem na gravidez digam que sim. Evitem dizer que tiveram enjoos, tensão baixa, anemia... Não digam nada, está tudo bem! Caso prefiram a honestidade, boa sorte...!

Nota: aqui honestidade é mais tida como especificidade do estado da grávida do que outra coisa...

1 comentário:

  1. Como já disse alguém.. o universo é sábio, nós é que nem sempre..
    Não querendo dar mais conselhos (ou desaconselhos :) apenas quero partilhar a minha experiência, principalmente com o teu companheiro (dado o meu ponto de vista, igualmente masculino): ser pai levou a uma mudança de prespectiva, sem retorno, mais abrangente e, talvez acima de tudo, positiva.
    Divirtam-se, porque tudo acaba bem.

    ResponderEliminar