quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Elogio fúnebre a uma gata




Quando chegaste eras tão mais pequena que os teus irmãos que foste coroada de Misérias. O nome era uma brincadeira, mas a tua saúde sempre foi um caso sério. Depois de vários sustos, de inúmeras idas ao veterinário e banhos de mimo, foste recuperando, embora mantendo o teu ar frágil. Longas foram as noites em que moravas dentro de casa e duras foram sempre as manhãs em que eu abria a tua porta a medo, para ver se ainda estavas lá.


Talvez aproveitando a fragilidade, foste apelidada de manhosa ou gata esperta. Esse miado frágil, meigo e acompanhado de uns olhinhos doces semicerrados faziam-te alcançar quase tudo o que querias. Até mesmo o teu amigo Shorty te dava lugar na casota, o cão mais gato, que eu acredito seriamente que estava casado contigo.


O teu corpo franzido nunca permitiu ser casa de gatinhos, por isso não deixas descendências, coisa rara numa gata não de rua, mas na rua. Ainda assim, com o teu peso pluma foste muito namoradeira, não penses que não sei! E fizeste bem, afinal de contas continuavas a ser uma gata.


Quando vim embora ainda pensei em trazer-te comigo, mas como é que se pede a uma gata habituada à terra batida, ao sol nos bigodes, para se fechar num apartamento? Como é que poderias querer deixar os teus amigos, gatos e cão, deixar a relva verde onde caminhavas patinha ante patinha? E como deixar aquela palmeira para onde subias em direcção ao céu, numa manobra espectacular que fazia crer que eras uma gata normal e forte? Não podia fazer isso, por isso deixei-te ficar.


Penso que terás sido feliz. Espero que sim. Nunca deixamos de pensar que podíamos ter feito mais. Foi o que foi. Obrigada. Principalmente pelas noites em que dormias aos meus pés e me aquecias a alma.


Até sempre Misé.

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